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terça-feira, 16 de julho de 2013

A Surpresa

O meu relato                                                                               


Viviam-se dias agitados...não muito diferentes dos de hoje. A variante,eram os modelos políticos e a iniciação de uma imberbe democracia,ainda de fraldas e chupeta. Passado o Verão Quente de 75 de uma agitação de massas constante,o resquício do ano seguinte colmatar-se-ia por uma atmosfera não mais branda mas porventura,mais lúcida. Tudo era revolução. Comigo,não era diferente. As borbulhas eclodiriam em mim como crostas terrestres e a fealdade em que me revia na pele e no ser,eram prova disso mesmo. Sem exageros. Olhava mais para o espelho do que,para as estrelas. Todos nós!

A noite viera em laivos mornos de uma estação vindoura de férias e canícula a anunciar tempos de lazer. Rugíamos como feras à solta num circo só nosso sem barreiras de protecção. Aproximava-se o fim de semana! A minha turma do nono ano era extremamente unida. Vínhamos todos de famílias simples mas,estruturadas e sérias,considerávamos...e assim era de facto. As inteligências eram moderadas e nunca,muito acima de um QI elevado. Nem o pretendíamos. Mas éramos felizes.À nossa maneira...e,descendo a rampa que daria acesso ao terminal de autocarros,um dos do grupo afoitar-se-ia: - Eh pá,ó Abrantes...tu estás a ver "aquilo..."? Que raios...mas estás a ver,aquela luz, alí pá! (e apontava com o dedo em riste) aquilo move-se e...e brilha!!!
- Aonde pá...? Ah,isso!? Mas cá para mim,deve ser um avião espião russo que anda por aí a sonar os americanos...deve ser isso!...- e carregaria o sobrolho em ares de sapiência mor de um líder de grupo.

A coisa adensou-se então,numa espécie de batalha confusa sobre o que seria aquela coisa nos céus de Lisboa em fim de tarde e começo de uma noite já por si,eloquente. Agora,todos observávamos "a coisa" que resplandecia enorme e tremente à medida que se deslocava numa velocidade impressionante. A nós impressionou. A nós e,a muitos iguais a nós que,no céu estrelado alfacinha,o mesmo identificaram. Nessa noite os noticiários não silenciaram o que era por demais evidente. Os radares do aeroporto assim o haviam determinado sem o sonegarem do público em geral,apesar de,se não criar pânico e histerismos indevidos com o que se apelidaria de desconhecido ou,inusitado,mesmo em tempos tão conturbados de uma pós revolução dos cravos.
A minha vida nunca mais foi a mesma. Tinha visto um OVNI! Lisboa foi iluminada por segundos,no que se reflectiria por toda a minha vida em raio de luz divino. E isto,pode ser um pecado capital sem comutação de pena para quem se arroga livremente conhecedor do seu destino e maior religiosidade.
O texto vai longo e peço perdão por isso mas tenho ainda de relatar outra surpresa como dois em um,em promoção de supermercado mais próximo de si...a célebre manifestação intra-estrelar que se daria em céus do oeste. Não no americano mas,no mais ocioso e refastelado céu abrangente de uma terra lusitana. Se fosse no Entroncamento,perceber-se-ia...mas não. Foi no litoral oeste de uma muito nossa península ibérica.

A noite estava calma. Mais uma vez. A exploração pecuária que jazia em frente à casa da minha família de berço,também se nutria por uma pacatez e sonolência geral,após o trato da refeição e asseio geral do fim do dia. Tudo normal. Até que,mais uma vez,a quietude foi quebrada pela repentina agitação dos suínos que chiavam baixinho em premonição doentia de uma levada até ao matadouro. Resfolegavam entre si,numa amostragem quase científica de que algo se passava em rumor de sismo,trovoadas ou outra coisa qualquer fora do normal. E o céu esse,continuava estrelado. Sereno. A aldeia dormitava. Era uma aldeia como tantas outras,no meio de um vale,sobranceira ao mar e, a uma terra de gentes de braços fortes e tez rude que abraçavam a terra como abraçavam os filhos:com amor. De repente,tudo ficou iluminado. Fez-se dia. - Raios partam isto,alvitraria a minha boa avó que não era muito dada a estas coisas do desconhecido. -Então não é que,a noite fez-se dia!?...diria a pobre coitada,toda aflita,indo de imediato fechar as portadas e persianas das janelas da casa,pelo que se supunha de uma tempestade de verão em raio estranho mas denso por uma noite que de nada se avizinharia,tumultuosa.

Pior foi a mãe. A minha mãe. Havia feito companhia ao pai,lá para os lados das Caldas numa aldeia do cimo do monte,situada entre as Caldas da Rainha e de Óbidos,por onde o pai negociaria com uns quantos senhores da mesma faina e esta,se entretivera a fazer malha dentro do automóvel por não se querer imiscuir nos assuntos do pai. Apanhou um susto de morte. O céu iluminou-se. Ficou dia. As agulhas caíram,o rádio calou-se e os animais em volta,fariam um silêncio fúnebre e funesto de algo mau se estar a passar. Só depois os latidos agoniados e os uivos deslavados de uma ansiedade aterradora. O rádio voltaria em rugidos desconexos com a frequência havida como onda sem rocha e sem mar que a tomasse. A insanidade do momento finar-se-ia,quando o céu de breu e sem lua voltou a brilhar naquele céu do oeste e a mãe,já por si alvorada e um pouco neurótica pelos anseios e trabalhos dos quatro filhos que criara,se pôs em desejos de à sua casa voltar e essa demanda nos contar. Ao chegar à Amoreira,a terra que a albergara por matrimónio e casa de férias assente,mais parecendo um fantasma do que outra coisa,nos remeteria o mesmo episódio por nós vivido. 

No dia seguinte,casas,cafés,tertúlias de copo na mão e enxada na outra,se comentaria aquele raio sem trovão de luz imensa que poria a pedir os senhores da electricidade estatal,caso fosse esta uma abençoada e gratuita iluminação geral...mas não era. Os eruditos apregoariam novas eras. Os crentes,uma luz de Deus e finalmente os cépticos,uma arreigada parvoíce de quem pensaria tratar-se de coisas viajantes dos céus e não,uma tão somente trovoada seca de início de verão. Os bêbados esses,alinhariam em mais um copo. Afinal,se se acaso fossem esses os sinais do fim dos tempos,num hipotético dia do juízo final,por que não beber mais um copo em honra e homenagem a quem nos quereria eliminar da face da Terra...?

Não brindaria a isso mas sim,no que acreditava já na época. Novos tempos sem dúvida! gloriosos possivelmente,tinha fé. O tempo deu-me razão. Em certas coisas...noutras não. Mas não acabaram. Ainda que o fosso entre Nós e Eles,esteja também ainda,com muito por fazer. Um dia...talvez.


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