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terça-feira, 6 de agosto de 2013

A Paixão

" He hum não querer mais que bem querer" - Luís Vaz de Camões

             " Esse de quem eu era e que era meu,
               Que foi um sonho e foi realidade,
               Que me vestiu a alma de saudade,
               Para sempre de mim desapareceu."
                                                                      Sonetos - Florbela Espanca


O amor é algo indefinível e, indescritível a que nem mesmo Camões - que tão bem o soube ditar nos seus sonetos - se aproximaria ainda que o tivesse feito em tangencial conformidade. Amor, é dor de facto. É ferida aberta que nos punge mas nos segrega igualmente as forças, as vontades e depõe a seus pés, neutralizando-nos o querer de um desejo maior que nos afaste do alvo desse querer, desse amor. E é exactamente por essa razão, que o não faço, sentindo-me plagiar em péssima réplica, o nosso querido poeta quinhentista que tão veemente e de forma tão exímia o fez, lacrando para a posteridade.


Por isso vos falo de paixão. É uma palavra forte, louca e lânguida em simultâneo, com o que se sente num eflúvio tortuoso e incandescente que nos corrói as entranhas e liberta na evasão total, de vivermos um enorme desejo na plenitude, com a pessoa que elegemos para tal.
Se era paixão...não sei. Talvez solidão. Ou carência afectiva, não sei. Mas sei que bem cedo pude comprovar a ansiedade e o exaurir de alentos com que estes sentimentos me afloravam, era eu ainda pequenita. Tinha paixão por tudo e tudo me comovia numa emoção extrapolar e de certa forma descontrolada que me via como prisioneira por tudo o que me rodeava. A minha dor, aliada a uma exponencial sensibilidade que metia dó, faria de mim uma libélula mas de liberdades contidas. O primeiro namorado (tinha eu seis anos de idade) e que me fora quase imposto pelo que na época era engraçado insinuar-se e penso que ainda hoje, foi um menino nascido e criado na terra dos meus avós paternos que possuía caracóis acastanhados e uns olhos mortiços de cão da serra que ainda hoje lembro. eu fugia dele como o diabo da cruz, embora o pobre rapaz, disso não tivesse culpa alguma. Ele era um menino do campo e eu era uma menina da cidade, mimada e pouco altruísta para quem só queria conversar à beira do rio ou saber novas da cidade grande. Eu era muito parva. Apaixonava-me pelas borboletas multicolores que voavam assim que se pronunciava a Primavera mas ocultava completamente os esforços de aproximação do Carlitos, tentando agradar-me, enchendo-me de flores e de mimos seus, em sorrisos escondidos pois que era um menino muito tímido que sabia o seu lugar (já lho dissera uma das minhas tias em prosa nada meiga), ao que este acataria, afastando-se de vez. Deve ter levado um susto dos grandes, terminando em lágrimas, aquando pela época da festa e romaria da aldeia por meados de Setembro em que eu me recusei a dançar com ele, preterindo-o. Escolhi outro. Um amigo meu que vivia na cidade e que tal como eu, era levemente arrogante e sem particularidades de sentimentos maiores que nos levassem a condescender, convivendo ou misturando-nos com eles, os outros, os da parvónia como jocosamente dizíamos. Um horror! Tão pequenos e tão estupores que nós éramos! Hoje reconheço e lamento. Se aqui tenho de fazer a " mea culpa ", "mea maxima culpa" então faço-a, em desculpas dadas e expiação de actos impunes, desse tempo. - Perdoa-me Carlitos, se ainda for a tempo de rectificar maleitas e desilusões infantis entre nós.


Mais tarde e já não tão inocente assim mas ainda ingénua demais, estúpida demais,tentei encontrar o grande amor. Não encontrei. Paguei pelos caprichos de outrora de uma irreverente teimosia em querer ser especial. Não o era. E sabia-o. Oscilando entre a incoerência de um peso que subia a olhos vistos e a uma dependência física que me castrava a alma nos óculos de fundo de garrafa que exibia em miopia acentuada - sendo o patinho feio do agregado familiar e do recinto escolar, sentia - eu definharia na alma mas não no corpo, sepultando-me em casa, deglutindo bolos e mágoas até que o meu exílio acabasse, se acaso o espelho me mentisse e revertesse na beleza física ostensiva que eu não possuía.
Foram tempos difíceis. O metabolismo corporal nem sempre acompanhava o mental ou então tudo se juntaria numa amalgama de defeitos que eu imprimia em mim, fazendo-me reclusa por imposição própria. Só mais tarde sairia do casulo doméstico, tentando integrar-me. Não deu frutos mas lá criaria algumas sementes de maior convívio e integração social pelo café central de uma aldeia como tantas outras por este Portugal fora em que por épocas de veraneio, nos libertaríamos mais. Os amigos apareciam e os inimigos também.
Numa dessas saídas, soltou-se a "fera" que havia em mim e lembro-me de que dei o primeiro beijo. Morno, salgado e sem grande emoção. Fúlgidos momentos esses de rara beleza...e que já não voltam. Ele tinha uma motorizada azul da qual não recordo a marca mas sei que era fiel nos comandos de trânsito e da preocupação para comigo em pendura sua. Foram tempos felizes.


Emagreci. coloquei lentes de contacto e então, a reviravolta na minha vida física e mental, dar-se-ia como revolução dos cravos, que neste caso seriam rosas, ou orquídeas para ser mais fino. Despontei para o mundo e queria que este fosse meu, mesmo à prova de bala. Eu sei. É uma expressão infeliz. Nunca fui muito bélica...nem pouco. Odeio armas. Continuando e, sem expor a minha vida íntima (para isso, já existem os livros da Silvya Day ou da outra da saga das cem maneiras de se fazer a coisa com o marido e com os amantes...) eu lá encontrei a minha primeira paixão. Achava eu. E achei mal. pelos vistos, desde pequena que as minhas escolhas não eram as melhores preferindo o medíocre, ao suficiente e bom. Já na escola era assim...efectivamente. Mas melhorei, bendito Deus. Acredito. e ele, era lindo! Parecia o António Banderas lusitano. Sem mais! mas...bonito por fora e nem tanto por dentro como melão rijo e pouco doce que só se descobre ao abrir. Um pouco como o matrimónio...pois é! Mas vamos lá. Estudava engenharia (que raça esta...) e era um galã em todo o seu esplendor. Mas era pretensioso. E desinteressado. Pelo menos, em mim. E isso, não era bom! Sempre de copo na mão e um sorriso matreiro de quem a fez ou está para a fazer, e esta relação teria perna curta. Conduzia o automóvel da mãe(um Fiat 600) como quem conduz um Ferrari ou um cavalo lusitano, na pior das hipóteses...ou melhor se formos ver o calibre do animal. Tinha ambições megalómanas e de futuros incertos nos quais eu não fazia parte e embora tivesse querido fazer harakiri depois que o estropício me deixou, levantaria as mãos ao céu pelo desbravar de um destino meu, muito mais obreiro e feliz do que aquele que ele porventura me daria, a partir daí. Temos de bater com a cabeça. Temos de errar e sanar tudo o que é de mau para desse modo aprendermos. E o pior foi, nem sequer lembrar de grandes beijos e afagos deste toiro lusitano. Com perdão para os toiros...


Mas os grandes momentos, viriam como o derrubar do Muro de Berlim, a Perestroika (salvo seja, que até soa mal se tivermos em conta o que se passa no meu país...apesar destes não terem culpa dos desmandos financeiros do mesmo) - em relação à Troika, bem se vê - ou o reinicio da integração da bola de berlim nas praias. Tudo coisas boas! E a paixão voltaria. Como toda a mulher sabe, não é fácil reconhecer-se a derrota de quando os tipos nem sequer olham para nós ou se preocupam minimamente com as nossas necessidades. Têm repetida e insistentemente de nos dizerem (de nos adularem e bajularem...) de que somos perfeitas e lindas. Muito lindas! Para eles e, para nós! Que somos o elemento existencial, o suprassumo de todas as coisas benditas ao cimo da Terra. Que não podem viver sem nós e que como tal, a corrente embrionária que os liga a nós também, não lhes poder ser cortada ou morrem, estendidinhos da silva aos nossos pés. É um facto! Gostamos disso. Mesmo que seja mentira!...Comigo não foi. Pelo menos, até àquele Verão de oitenta. Depois do de setenta e oito...não importa. Foi bom. O recrudescimento que fiz da minha vida valeu a pena. Aos dezoito anos tudo é possível. Esgrime-se o que se tem de melhor: sorriso, bom senso e pernas altas. Eu tinha tudo isso. E mais. Um coração de menina e mulher que já ia sendo tempo, para que descobrisse o melhor lado da vida como diz uma certa locutora na televisão do Estado. E eu vi, o meu. Era retornado e de tez morena. Passámos o Verão de 78, a dançar, a pular e a embriagar-nos mas, de ar puro e límpido que vinha das dunas de um mar sobranceiro ao litoral do oeste. Com as festas da Nossa Senhora da Aboboriz, à mistura. E foi mágico. Como o é, sempre! Acho...sim! Ao som das músicas brasileiras em série e que dispunham corpos e almas no seu melhor, ferventes e ausentes de realidades mais funestas, eu gastei solas e beijos, sonhos e delírios por um amor imenso que cheirava a Aramis e a baunilha e era a coisa mais bonita que eu já vira. E era meu. Na época. Durou umas semanas...ainda. Veio ter comigo à cidade e até parecia dar-se ares de querer ser um namorado de longa data e não descartável como seria de prever. Mas foi-o. Mais de descartar do que os telemóveis de hoje. E tudo, o resto. Era o destino. O meu destino.


Mas a prosa já vai longa...e ainda tenho de revelar aqui de que vale sempre a pena esperar. Mais que não seja, para uma outra lição de vida que foi o caso. Em 80, ele veio, tal como D.Sebastião nas brumas de um oeste frio e quente como gelado de natas em cima de uma fatia de bolo de chocolate. Eu sou gulosa!...
Ele trazia a maresia no olhar e um cheiro a alfazema que o denunciava como púbere que era ainda mas de uma honestidade afectiva à prova de canhão. Os seus olhos verdes imensos, da cor dos prados, da cor da espuma do mar em jade selvagem, apaixonar-me-iam a uma velocidade-luz inexcedível por todos os meus poros. Finalmente, conhecia o amor, a paixão e o degredo ao que supus, de uma existência atormentada de o perder para outra ou outras que não eu. E sentia-lhe o desejo. no aroma que de si emanava e nos olhares rebeldes que me fazia em anunciação de algo maior ou ascensão pura e dura do que se quer. foi um grande amor. De sal, luar e vigência momentânea de um reinado só meu. Ele era o meu rei. Eu era a sua rainha. mas o nosso reinado não vingou. Como já vinha sendo habitual. E desta feita, fui eu a deixar o castelo, a rumar até à minha bela cidade de Olisipum, deixando Oppidum para trás. E não olhei a consequências. não olhei a nada. Rasteava no tempo, o que o meu coração ditaria de um passado por apagar. E apagou. Como papiro gasto em sacola de nómada, fazendo a travessia no deserto, o meu deserto. até um novo amor chegar e, ficar. Também...até um dia. Que Karma, o meu! Há que superar. Há que nos libertarmos das atrocidades terrenas que de nós fazemos, na nossa própria pele e escárnio em nós. Excrescências que ainda transporto de outras vida possivelmente, não sei. Mas confio que um dia, isto vá mudar, até pela razão plausível e coerente de não nascermos para ficarmos sós. Não estamos sós e como tal, nunca seremos ou ficaremos sós. Temos guias espirituais que nos aconselham, possuímos e usufruímos de outros tantos, gurus e salvadores de almas que nos endossam o crer e essa nossa tão grande alma universal para nos encaminhar na demanda do espírito engrandecer e, enrubescer. É o nosso caminho, a nossa estrada sem bifurcação ou enlevo de uma retaguarda seguir. É uma aprendizagem e se for, com alguém do nosso lado...tanto melhor. Vamos ouvir. Escutar e seguir em frente. Vamos amar, amar muito, este, aquele outro e toda a gente...perdidamente, como diria a poetisa, Florbela Espanca. Só isso nos salva! Amar. Amar incondicionalmente! Amar-nos a nós mesmos. E, a todos. Só o amor, importa! Com paixão ou sem ela mas, amar. Cristo amou e...com paixão por nós. Vamos tentar igualá-lo e seremos salvos! É nisso que acredito!



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