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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A Voz

"Primeiro começou com um som audível mas sereno como uma brisa do mar ou cântico de sereia, surgindo depois em entoação mais entusiástica, numa espécie de opereta individual já mais sonora mas igualmente bela, muito bela!"

Foi assim descrita a forma como por vezes aquela voz aparecia sem explicação, na enorme casa secular dos meus tios paternos. Não se temia a voz, elogiava-se mesmo as cordas vocais de tão eminente figura que nos aparecia como fantasma lúdico e de bom gosto certamente no erudito cantante de uma música clássica de bom agrado ao ouvido. Os meus tios faziam por não notar, embora isso fosse sempre uma referência a quem os visitasse ou pensasse por ali pernoitar. Como é evidente, ninguém punha ali os pés que mais não fosse até o Sol se pôr, metendo-se a milhas assim que a Lua espreitava e o repasto da ceia terminasse.

Este fenómeno poderia ser explicado mais tarde no âmbito da psicopatologia como ocorrência de perturbação passageira da percepção sensorial ( sob a forma de uma alucinação) ou como sintoma de um quadro patológico de psicose e esquizofrenia. Isto, é o que dizem os entendidos na matéria...
Há quem afirme que se estaria perante um fenómeno paranormal que deveria ser entendido como psicocinese, numa manifestação do campo da física.

Enfim. Vamos por partes. Todas essas explicações científicas seriam correctas sim senhor, ou não fossem estas divulgadas por entre todos os que visitavam a casa a determinada hora. Ninguém poderia transformar-se naquela voz nem que o desejasse em simulação ou fraude, admitíamos. Não éramos ventríloquos, xamãs ou sequer mediúnicos nestas áreas (pelo menos naquele tempo...) para que se invocasse espíritos do outro mundo e ainda por cima em voz elaborada no "bel-canto".

A situação mais caricata mas também mais verosímil que aconteceu naquela casa, foi a de uma prima minha que (de corpo aberto como explicaria mais tarde uma senhora entendida nestas coisas do Além...) se sentindo mal, desmaiaria depois eclodindo da sua própria garganta uma voz que não era a sua mas se identificara como alguém muito próximo da família  - que não estando no mundo dos vivos - queria fazer-se ouvir em sonora gargalhada de escárnio e mal dizer ante a estupefacção de todos os presentes. Fez-se das tripas coração ( e muitos, tentando esconder o nervosismo, ainda ironizaram a coisa...) para logo de seguida, "aquilo" desaparecer e a minha pobre prima, agora mais leve do encosto acometido, recobrar cores e ânimos, não se lembrando de nada.
A partir daí, pensou-se fazer um exorcismo à casa e não retroceder na atitude que deveria de ser a mais correcta e embora o pároco da aldeia se tivesse comprometido para tal, nuca chegou a aparecer sem que soubéssemos da razão. Inexplicável terá sido, a ausência posterior e futura daquela voz magistral e pura que todos ouvíamos em som celestial numa espécie de réplica terrena de uma "Maria Callas" extra-estrelar.

Joana D´Arc, Michel de Nostradamus e tantos outros pela História adentro, terão admitido ter ouvido vozes que nalguns casos lhes foi fatal. Sabe-se da repercussão em vida da figura primeiramente referida na heroína francesa mas, quanto ao segundo no médico e profeta (também de origem francófona)  M. Nostradamus que dizia ouvir a voz de um génio vinda do «debrum do seu manto», as suas lucubrações terem sido melhor ouvidas e, por vezes, seguidas até aos dias de hoje. Tudo isso poderá ter sido resultado de ilusões sensoriais em que essas vozes tenham sido produzidas de forma inconsciente na sequência de um processo psíquico automático. Dizem que, o espírito consciente regista estas vozes como se elas nada tivessem a ver consigo, transportando-as para o exterior. Enfim...é uma teoria.

O surgimento inexplicável de vozes foi testemunhado por etnólogos no decurso de sessões realizadas com xamãs da Sibéria. Através de longas danças e do ressoar de tambores, os xamãs entraram em transe, empreendendo viagens espirituais e entrando em contacto com os espíritos.
Para nós leigos na matéria, poder-se-ia dizer que esta corrente do xamanismo, é um género de bando em delírio e de processo exterior na manifestação apresentada sob efeito de psicotrópicos ou algo parecido. Mas, com o devido respeito que a tudo na vida nos é dado e não arremessado (pois temos de muito vasculhar para chegar a alguma conclusão ou tangencial verdade) podemos de facto acreditar de que haverá algo mais ainda nas profundezas dos nossos espíritos, passados e futuros, nesta ou noutras vida e, por último, aqui na Terra ou...no Além que seja lá o que for, nos seja melhor do que o que já conhecemos. E se, nesse Além tudo, houver vozes do Céu, lindas e tão maravilhosamente escutadas como as que ouvimos um dia, então valerá a pena, voltar a ouvi-las «in loco». Assim seja!

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