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sexta-feira, 30 de maio de 2014

A Missão-Marte


Planeta Marte

Será que, passada uma década, ainda manterei a lucidez - ou a estupidez - de querer mudar não o meu mundo mas um outro, que em função, defesa e amor a uma pátria e bandeira ainda por registar, me consignará uma existência extraterrestre...? Haverá arrependimento, inadaptação ou sequer a ilusão de estar perante uma omnipotente missão sem retorno? Terei agido bem? Serei recordada por esse facto...ou apenas e tão somente dignificada com um número nas costas e outro em código de barras espacial?

A Missão Impossível/ Missão-Marte
Há seis anos atrás tudo me parecia lógico. Pontual, correcto e certeiro nos objectivos a cumprir. Saíra da Universidade com um diploma de licenciatura em Psicologia e uma vontade de comer o mundo à dentada! Eu...e as minhas outras duas amigas que comigo agora partilham o apartamento que alugámos há pouco num concelho limítrofe de Lisboa: a doce Catarina e a estouvada Marta, ambas o meu porto seguro em ombro para rir, chorar ou apenas abraçar em noites de Bairro Alto.
Todas comungámos da loucura generalizada de nos candidatarmos à ensandecida viagem a Marte, em inscrição e doideira latente de quem pouco ou nada sabe da vida mas, a deseja toda! Num ápice! Sorve-se a vida como espécie de «shot» pelas goelas abaixo e se isso nos deixa entorpecidas e felizes, então assim se cumpra. Por essa liberdade, deixei a casa-mãe, a casa de ambos os meus pais que, deslizando por esta sem que um ou outro se cruzem, vão coabitando, tentando esquecerem-se um do outro ou lembrarem que um dia se já amaram. E muito! Eu não queria repetir os seus erros, as suas angústias, os seus receios e pior, as suas omissões em palavra e em sentimento demonstrado que agora ambos fecham em si, como estigma ou maldição nestes impostas. Eu queria amar, amar muito, amar tudo! E este mundo pareceu-me pequeno demais. Daí...a escolha sensata ou não, imprudente e impulsiva talvez, de me lançar na aventura do Espaço...para quem este território mundano de licenciatura, mestrado e por fim...as horas mal pagas em call-center não reprodutivo e muito menos ambicioso de qualquer subida de carreira profissional, e nada a perder, senti. Mas...Marte? Estaria louca de vez, remeteram-me todos os outros amigos em considerações suas muito limitativas ou exíguas demais para a minha ambição e...liberdade! Eu, como sagitariana e senhora do meu nariz, pois que Marte seria, se a Lua já era tão próxima, próxima demais para os meus intentos de me libertar de todos os males terrenos e, deste lindo planeta azul que agora observava cinza e negro, tão negro como as minhas perspectivas de neste continuar! Se estava errada, a vida mostrar-mo-ia, acreditava!

A Investigação sobre Marte
Desde que o calhau com o bonito nome de: ALH 84001 foi encontrado em 1994 e posteriormente analisado por cientistas e muitos outros entendidos, que a minha curiosidade - aliada à sonda do mesmo nome que cruzou os solos marcianos, instada pela NASA - que eu me dei ares de erudita e muito culta e fui à procura de eventuais desígnios sobre este planeta vermelho. Não tardou a que soubesse de muita coisa. Marte, é um corpo celeste gelado. Começávamos mal. Sabia não ser um planeta aprazível mas ainda assim...não pensei que tão árido, agreste e tão sem graça de se viver! Porra! Eu tenho 24 anos...há que beneficiar da dúvida e de uma certa irresponsabilidade, convenhamos. Não tenho de saber tudo. Para já!...
Continuando...há 4000 milhões de anos que Marte possivelmente teve também os mesmos rios, lagos e mares que a Terra. As descargas eléctricas atmosféricas e os vulcões forneciam-lhe energia. A água e a crosta rochosa do planeta protegiam-no dos mortais raios ultravioletas. Mas, na actualidade, Marte está praticamente morto do que se conheceu até aí. Terá sofrido um impacte brutal, terrível e terrífico na dimensão exacta de tudo o que posteriormente lhe surgiu. Tendo sido atingido por um meteorito (ou vários) de grandes dimensões em designação de Meta-Meteorito, a colisão foi imediata e devastadora, originando uma explosão colossal e, criando várias crateras em si. Possui mais de 20 vulcões activos, sendo igualmente atingido por várias erupções, chamadas as super-erupções por tão rasantes e nocivas neste planeta serem.
Nada disso me atingiu. Eu sentia-me indestrutível no meu pensamento e, na minha estóica vontade de fazer lenda e mito sobre a minha pessoa. Eu ia para o «Inferno», mas ia feliz...
Marte - Gravidade menor do que a Terra. A Atmosfera pouco densa. Possui organismos refugiados nas profundezas do interior do planeta. Há nanobactérias que vivem no interior das pedras sem depender da energia solar. São umas sobreviventes natas, portanto! Sê-lo-ia eu também...?
O solo de Marte tem uma superfície avermelhada (rocha tipo basáltica); tem um diâmetro de 6787 quilómetros e a Atmosfera é formada por 95% de Dióxido de Carbono, 3% de Azoto e 2% de Árgon.
Estava fodida! Aqui...as minhas defesas foram-se abaixo. Era um planeta inóspito, traiçoeiro, maligno! Para além de irrespirável era também pouco majestoso ou amistoso com quem lá pusesse os pés. E onde tinha eu a cabeça para ter dado o meu aval em inscrição e reiteração de mulher adulta ou coisa parecida para me fazer ser astronauta de trazer por casa? Teria agora tanta certeza disso? A parte melhor era, que ainda faltavam dez belos anos para pensar ou deixar de pensar na coisa. O pior...era não poder anular essa inscrição de mim na Mars One em vias de outsourcing da Space X. Quem entrava não saía. E quem saía era porque já estava morto! Não me deixavam grande escolha. Os custos eram enormes, a proporção de empenhos e logística, cursos administrados e reitorias sobre essas pequenas e quase mágicas alíneas que raras vezes se lêem em precursão imediata. Mas tudo bem. Quem se enfia de cabeça, tem depois de sofrer as eventuais consequências para os seus dislates impulsivos de pouca consciência ou adolescência prolongada. Arquei com o que fiz. Não valia de nada incomodar fosse quem fosse com esses meus infundados receios (ou não!) de me fazer à vida em nave espacial estrangeira e, um até nunca que me vou embora para não mais voltar. Taxativo, não é? Pois é. Mas foi assim.

A Convocação
13 de Maio de 2014 - Chegou a carta de convocação. Para as três. No mesmo dia. Enquanto ainda ouvíamos aos cânticos de despedida à Senhora de Fátima pela televisão em peregrinação anual em homenagem à sua aparição há quase um século, que todas rasgámos literalmente os envelopes e, as almas - sentíamos - ao ver determinados os nossos destinos. A Catarina foi a menos exuberante. Há muito que me dizia estar deveras arrependida desse seu acto de há seis em que teve a infeliz ideia de se inscrever na missão a Marte. Mas já tinha a solução: o seu médico emitiria um atestado médico consignando-a portadora de uma deficiência cardiopática que a rejeitaria de imediato nesse circuito, o que não deixava de ser verdade, pois esta de início omitira esse facto clínico na pré-selecção. Como a sua missiva tinha sido de rejeição, ela pulou que se fartou e gritou, e esperneou efusiva e maluca de todo com tanta alegria por ter sido negado o seu ingresso na missão. Já a Marta, ficou furiosa por tal. Amas eram engenheiras, uma na área do ambiente e outra em química. Ambas recusadas! Eu...a mais parva, supostamente, a mais desequilibrada ou instável, insegura e convenhamos...um pouco fútil demais para tanta devoção extraplanetária, foi-me dado o visto de passagem e ingresso nas fileiras militares de um designado projecto Mars One, como se tivesse sido convocada para a guerra! Ou...para a selecção nacional de futebol, cá do meu burgo, de Portugal! E de qual delas...a mais temerosa, a mais premente, a mais eloquente e responsável...? Caí no sofá da sala como se me tivesse caído um raio em cima! Porra! (alvitrei) Por esta é que eu não esperava...então agora que o Cristiano Ronaldo está nas Champions e depois vai para o Mundial no Brasil, há os Rolling Stones no fim do mês no Rock In Rio...e...que faço eu agora, pá, já nem tenho cabeça para isto tudo...e o Benfica pá...como vou eu ao estádio se já nem tenho forças para raciocinar? - E fui amparada por ambas no meu derradeiro desgosto de me ter de preparar para a «guerra» espacial que aí vinha...ainda que, tivesse dez anos de vida para isso!

A Família
O confronto familiar é sempre aquele que mais nos concerne a fraqueza de tudo, em consciência e práticas demonstradas. Agora, eu voltara a ser aquele rapariga indefesa que achava que ir para uma ONG, era o mesmo que dar um tiro na cabeça, de quando algumas amigas minhas me vinham dizer terem-se alistado nos «Leigos» de qualquer coisa e...nas associações de cariz cristão em busca de uma espiritualidade sua e, conhecimentos nos outros por terras de África. Venerava-lhes o altruísmo mas também, a pouca ambição de não começarem primeiro por um estágio a nível nacional e não, o irem intrusar-se por terras de além-mar. Eu estava errada...como sempre. Debitei isso em mim, já mais tarde...para uma posteridade que não veria na Terra mas sim em Marte, supunha, do muito que ainda teria de calcorrear e engolir nessa minha ousadia egoísta de só olhar para o meu umbigo! Culpei disso mesmo os meus pais e amorteci a dor dessa crueldade neles, ao revelar-lhes que finalmente se iam livrar de mim em fim de mesada e jugular preocupação sobre a minha pessoa, de quando me aferiam eu ser-lhes uma lança espetada no peito em jovem problemática - e muitas das vezes - distante, indiferente aos seus apelos de pais condignos.
Eu era de facto distante. Mas indiferente ou má, isso não! Apenas os estava a pôr à prova, à final prova que eu própria não sabia se passaria com desvelo e mérito: eu ia partir para sempre, sem lhes dar netos, genro, carreira profissional que os orgulhasse...ou sequer, felicidade de os ver a ambos envelhecerem sob a minha alçada. Demitia-me de tudo, assim! Fui cruel. E sofri por isso. Abraçaram-se a mim e disseram-me que tudo fariam para que eu recusasse essa tarefa ignóbil e...eterna, de não mais os ver, de não mais lhes mostrar a minha afeição de filha impecável que sempre lhes fora (era a primeira vez que mo diziam...) e que, comigo iriam até às últimas instâncias ou entidades maiores, superiores, militares ou outras, para que me reconhecessem inapta para a função, para a inacreditável missão sem retorno em Marte. Que apelariam a tudo e todos para que eu pudesse declinar com veemência esse mau caminho de quase perdição, de quase maldição, anuíram ambos ante o meu olhar concupiscente e, introspectivo. Chorei. Chorei muito agarrada a eles, como se fosse ainda uma menina de colo, arrevesando-lhes de que iria mas iria com o coração cheio de amor que não mágoa, de tanto amor lhes ver sobre mim. Que um dia tinha de partir...e esse dia, chegara!
Tentei desanuviar o ambiente pesado, dizendo-lhes que, em prol do meu «árduo» curso de Psicologia, tinha sido escolhida não-aleatoriamente por convénios superiores do "Projecto" que me veriam um dia como alguém distinto e, não- parasitário, numa sociedade que a cada dia mais se exigia forte e sã, inteligente e...ambiciosa de maiores futuros. Aquiesceram, mas não totalmente. Consegui fazê-los rir com as minhas piadas de caserna, em que só eu chorava por dentro. Como os amava...e não sabia, até aí. Disse-lhes que tinha de deixar o crucifixo de ouro que a minha avó já falecida me tinha dado em seu préstimo e honra de despedida desta vida. Que eles, lá nos States, não autorizavam que eu levasse nenhum tipo de amuleto nem nada a que me pudesse agarrar em corpo que não em espírito. Suásticas, Estrelas de David, Meias-Luas, Crucifixos ou coisas assim...não eram permitidas tanto nos treinos como na acção imediata que surgisse. Os credos ficavam em casa - asseveraram - em regras há muito anunciadas. Não se podia ter tatuagens, piercings, próteses ou outros apêndices disformes ou não-análogos à boa compleição física. Nenhum traço de adicção ou influência de psicotrópicos em comportamentos psicossomáticos diletantes da realidade ou alterados. Não se podia sofrer de nenhuma patologia, desde a leva constipação à doença degenerativa; miopia, estigmatismo, dentes cariados ou pé chato. Nada disso era suposto existir em cada elemento que mais tarde eles próprios - os da missão - nos veriam internamente. Como na tropa! No exército da Armada, da Marinha ou da fluente Força Aérea, ali mais reportada em nós, como peões espaciais ou simples neutrinos estelares, sobrevoando o Espaço, ouvindo as mensagens de Einstein e Tesla e...tantos outros que nos indiciaram nestas andanças espaciais. Eu estava pronta! Pensava eu...
Eles, os rapazes...tinham de ser uns «Kens» e as raparigas em igual género e função, umas «Barbies» mas, de camuflado e fato espacial de astronauta similares. A missão suicida, missão impossível ou missão completamente fora de tudo o que se conhecera até aí, ia dar-me a maior lição da minha vida: ser útil aos outros, não só à família, aos amigos, aos colegas de trabalho...como agora e ali, ao meu imenso planeta Terra que, fora dele, eu ia ver através de uma nave espacial em caminho para o Inferno vermelho, inferno gelado que nos iria receber como garganta funda pornográfica de um qualquer outro filme de terror, senti!
Tinha dez anos para me preparar...sem poder criar família, ter filhos, emoções ou delações de qualquer espécie para poder fugir, poder desertar como rato no deserto. Eu era dos «SEAL»...aferi às minhas amigas. Eu era um soldado, coisa que nem nos piores pesadelos supus poder ser algum dia...eu era o mais importante órgão militar em célula especial e, espacial, por tudo o que nunca viria a revelar na Terra...do que um dia possivelmente eu conquistaria, à semelhança do valente e honroso Vasco da Gama, Cristóvão Colombo, os irmãos Corte-Real, Gil Eanes, Diogo Cão e tantos outros, pois que a memória já se me tolda de tantos navegantes quinhentistas que, do meu pequeno país desbravaram mundo e deram novos mundos ao mundo! E eu...que daria eu, ao mundo? Mundo esse que não mais veria nem...apreciaria mais em beleza geográfica (que não fosse de pés no ar em suspensão gravitacional de dentro da nave espacial), nem sentiria em amores terrestres, em corpos presentes, ferventes e amoroso de uma união, de uma acoplagem nem sempre perfeita!... E o vinho? Poder-se-à levar umas garrafas de vinho português...? E uns queijos da Serra, e umas queijadas e travesseiros de Sintra, e...meu Deus, como sou gulosa! Mas terei de deixar tudo para trás...? Esquecer os mares, os rios, os lagos, as montanhas, as planícies, o sorriso da minha mãe, o ar sério do meu pai, as risadas histéricas das minhas amigas, o meu cão, a minha gata, o som dos pássaros em chilreio...as buzinas do tráfego matinal, os cheiros, as cores, os sons, os sabores...meu Deus, vou enlouquecer! Ah, pois vou...mas Deus não o permita, pois Ele é o único a quem eu não posso decepcionar, o único que me irá observar, recolher e...abraçar, aquando me vir só e sem chão por pisar. Vou respirar fundo, de dentro da cápsula indumentária em que me vou ver também e, pedir a Deus, a só Ele, que me proteja, que me segure e me dê as honras suas de me perpetuar a vida lá em cima...no extenso e, intenso planeta vermelho. Que Deus não me abandone...ou estarei para sempre perdida...do mundo e, de mim!
Agora...só há que esperar. Uma década de suspensa aflição e, entrega e honra, de toda a minha pessoa singular! Que Deus para sempre esteja comigo e eu com Ele também!

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