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domingo, 27 de julho de 2014

A Noite da Alma

A
Fotografia de um Nu - Seres Amantes

Recordar-me-às algum dia? Saberás ver a diferença entre os dias e as noites que não contaste e assim me amaste na perdição desses momentos e, na rendição que fizeste de teu corpo sobre o meu? Haverá instantes em que o recordes, em que o lembres com a mesma saudade e a fuga do teu pensamento, da mesma  forma que tão libidinosa e fugazmente me tomaste em ti, naquela época? Sentir-me-às ainda...? No teu corpo, na tua alma, na ausência agora imperfeita de toda uma distância, de toda uma inútil espera sem retorno? Recordar-te-às ainda....do meu corpo sobre o teu, em enlace eterno do que um dia vivemos???

       "A Alma é um olho de Fogo, ou um espelho de Fogo, onde a cabeça de Deus se revelou (...).
        É um Fogo ávido, e tem de ter consubstancialidade, pois de outro modo transforma-se num vale escuro e faminto."
       "O Amor permanecerá no seu fogo original, e tudo o que lhe resta (...) é uma fúria amarga, um desejo incendiado, consumidor e faminto; e, portanto, uma eterna busca que é um medo eterno."
                                                                                       
                                                                                                   J. Bohme «Theosophische Werke» (Teosófico) J. Bohme - Amesterdão (1682)

A Mais Pura Noite da Alma
Se tu soubesses...se tu um dia soubesses o quanto a tua alma foi minha por um dia, uma noite sem fim, um momento a sós que jamais esquecerei. Dizer-to assim em carta ou mensagem em palavras vagas, vãs de tudo, não silenciaria a agitação que antes vivi ao senti-las, ao querer dizer-tas, ao querer tudo te revelar de meu peito e de todas as agruras de uma vida imbecil sem ti. Dizer-to assim...ridiculamente, como Fernando Pessoa to diria, nas cartas de amor ridículas que escrevemos, pois que todas são ridículas quando emergidas de sentimentos que se não escondem mais, de pensamentos que se não podem mais ocultar e fazer vaguear nos espaços perdidos, como espécie de neutrinos intemporais no próprio espaço e tempo, sem tempo de se perpetuarem, sem tempo de se amarem...como tu e eu agora.
Aquela leda e triste madrugada como diria um exótico poeta, não foi mais a tua e a minha, não foi mais nada que pudesse ficar escrito nalgum mural do tempo ancestral - ou do tempo actual - que ambos pudéssemos registar em nós, como tatuagem inexorável em poros e pele sobre corpos inacabados, sobre corpos mal amados. E eu...que tantos desejos futuros te incrustei como molusco na rocha de indefectível destino sobre um mar nem sempre calmo, nem sempre piedoso, e tu...agrilhoando-me o querer e a vontade de me fazer ser mulher, apenas me deixaste as sobras de ti, as sobras de nada...em somente sombras deixadas que não mais me aqueceram o quarto, o corpo e, a alma doente! Ah...e como eu queria esquecer-te...e como eu queria arrancar-te de mim, ceifando-te dessa minha alma fenecente, dessa minha alma moribunda que me continuava a gritar para te não esquecer, para te não toldar no meu espírito fervente!...E como era difícil isso; inexequível no tempo ou nos momentos que te recordava de teu corpo sobre o meu, e eu...tão calma e serena como mar estanque, deixando-me perder nas vagas do teu corpo exangue, exaurida de mim, exaurida de tudo que não fosse a minha alma colada à tua, para sempre...para sempre...
Passaram muitos anos, anos demais. Não mais soube de ti, não mais soube de nada que te afectasse, que se te cingisse na vida algum augúrio de lamento, pronúncio ou sequer visão não anunciada de teus olhos ver, de teus olhos sentir e, de uma tua alma ressurgida das cinzas do tempo que há muito desapareceu.
Aquela Noite da Alma que ambos vivemos será sempre a nossa noite...e para sempre nos ficará em sub-cutânea afronta do que jamais viveremos em igual. Tu e eu. Terás outras almas na tua vida, passageiras, fátuas, efémeras. Não deixarão rasto nem gosto nem nada que se me compare. Não terão o meu cheiro, não terão o meu beijo, não terão o meu abraço nem sequer o meu sentir em todo o teu ser; ser que amei como nunca mais amarei ninguém! Não, nesta vida. Posso haver hercúleos pensamentos sobre muitos...que não terei nenhum sobre o que pensei e senti sobre ti, sobre o teu dulcífluo corpo, de sabor a mar, de sabor misto a sémen e pólen numa masculinidade apresentada em todo o seu esplendor. De sabor mágico.
Enlouqueceste-me a alma! Ensandeceste-me o ser e o querer que endoidou por não te ter mais, por não te sentir mais no coração e na fogosidade de uma vida a dois. Deixaste-me vazia de tudo. Até de mim.
E...aqueles teus olhos cor de prado, cor de avelã e musgo que tão bem eu lhes via em doçura e alguma candura infantil, pousados nos meus, em aromas ainda não inventados de uma alfazema pura de campos e sonhos precipitados. E como eu te amava...e tanto que até doía na alma! Tal como Luís de Camões pela sua amada morta Dinamene, em rio Mecon, na sua eterna despedida - revelando a sua quase alma morta também - por ter deixado as águas levarem de si, a sua amada. Como o compreendo agora...e como isso dói! Demais!
A minha alma está morta. Não tenho mais fulgor nem força para me debater sobre esta subcinerícia condição de me considerar agora um Anúbis de corpo e espírito submetida ao Mundo dos Mortos. O meu estupro, vivê-lo-ei na continuidade dos tempos em perfeita escuridão e nenhuma nitescência, que me possa iluminar e, revigorar esta vida que levo...sem ti. A dor essa...é excruciante! Uma dor maldita, não bem-vinda, não bem aceite por mim...nunca! Quero arrancá-la do peito, quero arrancá-la de mim mas não posso. E possivelmente...não quero!?...Quererei?...Não sei.
Ecoam em mim as benditas palavras ( mas malfazejas para muitos ) de Jesus em : "Abwun A d`bweshmaya" (Livrai-me de Todo o Mal!) Amén! - E como poderei eu livrar-me desse mal, se me está impregnado na alma como impigem ou chagas de Cristo, inextinguível no tempo e, no lamento que em mim faço como vítima e não agressora, sabendo os limites de uma e de outra, no que imponho em mim. Os meus dias são agora imbríferos e pesados, tão pesados como as mais acérrimas noites de tempestade e...não me reconheço alegrias que não sejam...o sentir estas lembranças - em mim de - como um dia fui feliz e tua...em teu corpo nu, em teu ser total! E sorrio por fim. Vejo-me finalmente como sou. Desnuda de sentimentos mas igualmente de vontades de te não esquecer, de te não perder, nas memórias que detenho de ti e, sobre ti. Não é mais negra essa minha noite, não é mais fluída de estranhos pensamentos, pois agora sei que um dia te vou encontrar, que um dia te vou dizer: meu amor, nunca te esqueci! Meu amor...estiveste sempre aqui...comigo. Em corpo, alma e ser espiritual. Estiveste sempre...em mim, na mais pura e bela noite da alma! Que jamais apaguei de mim! Para todo o sempre!
Até um dia meu amor...e nesse dia serei tua como nunca deixei de o ser. E, nessa nossa noite, o Universo vai todo receber-nos e o poder cósmico em nós...vai ser Uno. E então, meu grande e único amor da vida - desta e de todas as outras - nós iremos celebrar o nosso amor, na...mais linda e eterna Noite da Alma! Ad Eternum!...

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