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terça-feira, 23 de setembro de 2014

A Besta Diabólica


Aleister Crowley (em jovem)

Seria Crowley a personificação do Diabo ou encarnação do mesmo, na putativa associação que a este imputaram sobre supostos Bruxos e vis assassinos de crianças da Idade Média? Terá sido um «mero» Mago e astucioso psicopata - ou de facto possuidor de certos ocultos poderes? Assumindo o nome e o valor cabalístico 666 da «Grande Besta do Apocalipse» (Diabo) que terá querido atingir com isso?

Aleister Crowley - A Besta Diabólica
Na viragem do século XIX, a mistura de Ocultismo e Magia num pano de fundo de decadência «fin de siècle» (fim de século) empurrou para o primeiro plano personagens que ainda, nos nossos dias, se consideram protótipos do Mago astucioso e psicopata.
Nesta vertente, evidencia-se - como o maior de todos - o inglês Edward Alexander («Aleister») Crowley (1875-1947), que se considerava um intermediário entre os seres humanos e os poderes ocultos.

Dândi e Mago
Crowley iniciou a sua carreira no papel de Dândi Esotérico. estudou em Cambridge (sem grande vontade), escreveu poemas eróticos incompreensíveis e, interessou-se superficialmente pelo Ocultismo - que na altura estava na moda.
A sua tendência para ultrapassar os limites e chamar a atenção manifestou-se com a entrada na Hermetic Order of the Golden Dawn (Ordem Hermética da Aurora Dourada). Mas, quando viu fracassada a sua intenção de tomar as rédeas da Ordem, fundou uma Sociedade Secreta própria, na qual viriam a destacar-se as práticas Mágico-Sexuais.
Crowley que assumiu o nome e o valor cabalístico 666 da «Grande Besta do Apocalipse» (Diabo ou Demónio), defendia que a Magia Sexual permitia mobilizar as forças ocultas mais poderosas.

Modelos Históricos
Em 1899, Aleister Crowley levou a cabo no lendário Lago Ness, na Escócia, um ritual de invocação aos Anjos. Este ritual baseava-se no Livro da Verdadeira Prática na Magia Divina, texto Mágico-Cabalístico provavelmente redigido em meados do século XV por Abraham von Worms, personagem cuja existência não está historicamente demonstrada.
Este texto foi um dos precursores da técnica de invocação de John Dee (1527-1608) um dos Magos mais influentes do Renascimento e que, seria um importante modelo para as actividades mágicas de Crowley. Inspirado em John Dee, Crowley realizou - juntamente com o seu discípulo e amante Victor Neuburg - numerosas invocações de espíritos aprendidas na Golden Dawn. Diz-se que, algures no deserto egípcio, Crowley e Neuburg teriam conjurado Coronzon, senhor da Décima Etira - uma região do mundo invisível do Sistema Henóchico de John Dee (assim chamado por causa dos livros bíblicos apócrifos de Henoch).

A Abadia de Thélème
Crowley era extremamente hábil a compor ideias insólitas e possuía sem dúvida um grande talento teatral. A sua divisa era «faz o que quiseres», do grande poeta francês Rabelais (c. 1494-1553), que fez dela o lema da mítica Abadia de Thélème na sua obra «Gargântua e Pantagruel».
A Abadia, descrita por Rabelais em tom fortemente satírico, era uma espécie de Anti-Mosteiro, no qual estava consagrado tudo o que normalmente era proibido.
Não havia muros em redor do edifício nem relógios porque, segundo ele, nos Mosteiros tudo estava organizado de acordo com o horário. Agia-se «segundo as circunstâncias e as necessidades» e só se acolhiam pessoas boas de ambos os sexos, já que, no seu entender, nos Mosteiros só se internavam os loucos e, os aleijados. Claro que em Thélème não havia segregação de sexos e cada um era livre de partir quando desejasse. Em 1920, Crowley fundou a sua própria «Abadia de Thélème» numa mansão em ruínas dos arredores de Cefalù, na Siçília, onde praticou livremente as suas tendências bissexuais como Mestre da Magia.

Contra as Convenções e a Moral
Claro que o espectáculo, a mistura de Ocultismo e os rituais mágicos não serviam apenas de pretexto para os excessos sexuais de Crowley, que procurou efectivamente situar a liberdade espiritual num patamar mais elevado.
De certa forma, podemos compará-lo ao filósofo Friedrich Nietzsche, que uma vez afirmou que ainda há muitas coisas por dizer e por pensar, mas que, sem elas, o ser humano continuaria prisioneiro das convenções - sobretudo porque não se apercebe do que não conhece.
Esta linha de pensamento também pode aplicar-se à tradição da Magia - sempre em busca de novas vias de libertação. «Faz o que quiseres» representava para Crowley uma exortação à procura da verdadeira vontade, o centro do ser humano que encerra os seus desejos e aspirações mais profundos, e um convite a que agisse segundo as suas regras.
Aos seus olhos, o ser humano tornava-se divino a partir deste verdadeiro acto de vontade. «Todos os homens e todas as mulheres são estrelas», escreveu uma vez para mostrar que, na acção que parte da vontade consciente - sem a interferência das convenções, da vergonha ou da moral - o ser humano se transforma num brilhante campo de energia.

Um Demónio com Figura Humana
Não admira então que tais ideias tivessem provocado uma grande indignação numa sociedade ocidental, baseada em convenções pequeno-burguesas.
Crowley passou a ser visto como uma Encarnação do Demónio e, associado aos supostos Bruxos assassinos de crianças da Idade Média.
As próprias palavras de Crowley parecem sustentar esta ideia: no final da sua Carta dos Direitos Humanos, no Liber Oz, depois de reconhecer ao indivíduo o direito de viver, morar e viajar para onde quiser, de pensar, dizer e escrever o que quiser e de amar como quiser, escreve: "O ser humano tem o direito de matar qualquer um que tente privá-lo destes direitos!"
Na verdade, não era uma afirmação muito tranquilizadora...

«Liber al vel Legis»
No dia 8 de Abril de 1904, no Cairo, o Anjo-de-Guarda Aiwass, «Ministro de Hórus», revelou o «Liber al vel Legis» (The Book of the Law) a Aleister Crowley, que lhe chamou a «Lei do Novo Éon». O núcleo do sistema mágico de Crowley consistia em actos Mágico-Sexuais que, segundo ele, permitiam tomar consciência da divindade do ser humano. De resto, também tentou alcançar este objectivo através da utilização de todo o tipo de drogas. Na sua opinião, o excesso orgiástico era uma via para...a iluminação.

Vida de Excessos
Aleister Crowley foi fotografado em poses românticas, vestido de Sumo-sacerdote Egípcio, de deus-Chinês do Riso, de Dândi, de iniciado Árabe ou imitando Winston Churchill. Quando por fim ingressou na Ordem Alemã Ordo Templi Orientis (Ordem do Templo Oriental, OTO), viajou incansavelmente por todo o mundo, do México ao Egipto e dos Estados Unidos à Índia.
Em virtude da sua típica auto-sobrevalorização, defendia que, com ele, se iniciara uma Nova Era - mas caiu na dependência de heroína e morreu com perturbações mentais numa pensão de Hastings.

Na imagem inicial do texto, Aleister Crowley enquanto jovem, vestira-se então de Mago: na cabeça exibe uma serpente Uraeus, na mão uma varinha mágica e à frente - sobre a mesa - uma espada, um recipiente com óleo sagrado e, ainda, um exemplar do seu «The Book of the Law» (O Livro da Lei).
Crowley entrou desde muito cedo em contacto com o ideário místico, pois a sua própria mãe via nele o Anti-Cristo! Ao longo da vida, fez alarde da sua fama sinistra, reclamando possuir poderes satânicos.
Um lunático, um louco, psicopata, sociopata e tudo o mais em subjectividade em si imposto, no que na época - e mesmo nos nossos dias - se compõe de alguém muito perturbado a nível cognitivo mas assaz esperto, audacioso e efectivamente astucioso, no que manobrou até à última fase da sua vida em bem próprio - ainda que nada lhe tivesse restado disso.
Demónio na vida, em figura e práticas havidas no que possa ter sido uma espécie de Besta Diabólica, Crowley soube fazer-se pertencer a essa incisiva mítica do outro lado: a das trevas! E assim terá morrido em padecimento mental e total ilusão sua de ter sido alguém muito terrível.
Sem desejar acabar este texto nesta via de um Mal que sempre nos atemoriza prevalecer ao Bem na Terra, alude-se então que tal assim se não repercuta e o Bem vença. A Bem da Humanidade assim seja!

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