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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Uma História de Natal


A Insolvência de uma Vida apenas partilhada por quem nada pede...

Quando tudo se perde - da alma à dignidade humana - o que ficará depois...? Quando tudo parece perdido (e de facto assim está!) que mais se pode fruir da vida que não seja um dia de cada vez, um dia a menos na sofrida tonelagem que nos carrega a alma, que nos decepa o corpo e, pior, nos mantém reféns até da nossa própria incúria, orgulho e excruciante personalidade que nos leva a deitar tudo por terra quando só queríamos, amor, afecto e um abraço sentido...?!

Era este o meu vil estado de comportamento, sentimento e situação pelas ruas da amargura, pelas ruas de uma solidão inclemente; pelo frio, pela fome e, pelo despojo total que fiz da minha vida, só unida e alçada pelo único amigo que fiz - ou me fez ele a mim em encontro e, salvação, num aconchego de vida que jamais pensei readquirir em mim. Era Natal... era noite de paz e amor, e eu só tinha uma garrafa de água, uma carcaça com manteiga já carcomida e... o Jonas, o cão que me escolheu para parceira de infortúnio: o meu Jonas! O meu maior e melhor presente de Natal do ano de 2013!

2013 - Aquele mágico ano de toda a pobreza!
Nem sei por onde começar. Continua a doer; muito! Se houvesse um saco de moedas por cada vez que me senti gritar e sufocar esse grito, pela fome insaciada, pelas insónias havidas ou pelo gélido dos pés e das mãos que me arroxearam de frieiras e de uma dor que nem sei descrever, já estaria rica, muito rica - ainda mais do que o Donald Trump ou o Bill Gates.
Ante a minha paupérrima condição de sem-abrigo que era, eu fui a mais enjeitada, a mais desnorteada (ou mais humilhada talvez...) menina-mulher de um volte-face inacreditável. E que, toda a sociedade cosmopolita que até então eu vivera, conhecera e consumira como ser fútil, acéfalo e de ornamento decorativo, me deu o desprazer de conhecer na sua outra imagem de «espelho-meu» frio, directo e verdadeiro. E eu não estava preparada para isso. Todos me viraram as costas: a sociedade, os amigos e, aquele a quem eu jurara fidelidade e só me deu pancada; não física mas a outra, a que dó mais: a do desprezo, a do abandono, a da morte anunciada de um casamento que já não o era. Todos me apunhalaram pelas costas, e por estas me arrancaram o coração - tal como Dom Pedro I o fez por suas próprias mãos aos algozes que lhe mataram a amada, na mutilante certeza de que jamais voltariam a prevaricar em nome de outrem - e que, por mim ou no que comigo se relacionava, jamais me sentiria em voltar a ser a mulher que eu era.

Doces anos, eternas ilusões... é sempre assim, Acreditamos em tudo, até na Branca de Neve e no Pai Natal, e só quando vemos as nossas ilusões esbatidas, esboroadas naquele imenso lamaçal que foi a nossa inglória vida conjugal, é que acordamos para a vida e tentamos voltar a ser como éramos. Mas, se não fosse tão triste, seria antes de mais ridículo e tão absurdo, como o dizerem-nos que voltamos a ser virgens de corpo e pensamento para voltar a errar, para voltar a cair nesse mesmo logro do encantamento floral e tão feérico conto de fadas e de «tu e eu» onde só o tu existe e o «eu» se perdeu nas escarpas de um mundo que já não é teu nem meu, ou seja, de nenhum de nós.
E tu, tão jovem, tão belo e tão príncipe do nada com o teu fato Hugo Boss ou Armani e eu, qual Cinderela destes novos tempos, em passadeira vermelha de um enlace matrimonial de jugo napoleónico tão traiçoeiro quanto falso, ostentando felicidade, exibindo sorrisos, flamejando riquezas bordadas a ouro, bordejadas de uma fraudulenta e quase satânica relação doentia em que tu e eu nos vimos acabar. Quase nos matámos um ao outro. Mas superámo-lo. A ferro e fogo.
Foram anos confusos. Turbulentos, evasivos e ludibriantes como fantasiosas muralhas ciclópicas de uma mitologia só nossa, reportadas ao encimar de um qualquer portal estelar que nos levava aos céus, que nos levava ao firmamento mas do qual só eu restava, só eu jazia em sepulcral e fria lápide de uma vida tão cheia de nada, de uma vida tão vazia de tudo.

Eras um «Teddy-boy» na versão jurássica de meus pais e um Workaholic ou metrossexual na versão mais moderna - e jocosa da coisa - na boca dos meus amigos e primos mais chegados. Não te conheciam, mas invejavam-te:  o sucesso, o bom gosto (para automóveis e para mulheres...) as casas, as viagens e as entradas em todos os restaurantes ou hotéis de cinco estrelas, onde a estrela maior eras tu, quase o afirmavam. Veneravam-te, e deixaram-se seduzir, todos eles, por essa esfuziante figura de homem-modelo de uma sociedade sem escrúpulos, limites ou saciedades. A voragem era tanta que mal te davas conta dos negócios e da extrapolação financeira, dos buracos e dos sacos azuis que só no teu imaginário haveriam para tudo se quedar, para tudo se resolver, para tudo se rematar. Mas não rematou. Foste à falência, e eu contigo. Nem os dedos ficaram...
Vendeste as casas, os automóveis, as propriedades, as acções bancárias e outras que nem imaginei que possuísses; os ouros, as platinas (tal como lápides pré-anunciadas de homem fracassado) depois do estrondoso êxito como «Homem do Ano» ou Empresário do Mundo, de referência neste burgo lusitano de gerências tão pouco egregias e, nobres, quanto as de um hino nacional que todos veneramos mas nos não dá brasão de aí pertencermos. Não pertencemos, apenas por lá passámos...
O Fisco levou-te tudo: o resto, o que sobrou. E o que sobrou foi muito pouco: nem a tua alma escapou. Vendeste-a ao diabo. E eu não fiquei para ver. Fugi. Eu sei: não me orgulho disso. Mas já não soçobrava também nada de mim. Não me culpes. Não fui suficientemente forte para te ver destroçar aquele tão alto castelo que só tu construíste mas que tão alto também te levou e de lá te arremessou sem pejo nem glória, nem sequer o restolho que de ti ficou ao ver-te partir para um dos muitos offshores (vá-se lá saber em que ponte mirífica desse mundo ou desses paraísos fiscais...) que te sustentaria até onde mais não quisesses - ou suportasses - ver-te longe do mundo, longe de mim... estarei errada? Penso que não.

Memórias leva-as o vento... levará? As minhas não levou; e, por cada dia que passa, me faz lembrar mais e mais, nesse angustiar de retrocesso e irreversível verdade de um passado que não voltará.
Fugi de ti. Fugi do mundo. Nem sabia como podiam ser tão frias as manhãs após as noites... e, se ainda por entre lençóis sujos e amarrotados me vi (no início, em que as minha economias ainda davam para colmatar esse abrigo de tecto estranho em residenciais visitadas por gente da noite vadia: prostitutas, pederastas ou vulgo chulos de arma em punho ou faca na liga) outras houveram ainda mais cruéis de cheiro a mijo, a vomitado, a doença e, à total isenção de esperança de nestas me ver separada, me ver distante, como mau filme vivido.
Tinham pena de mim, as pessoas. Não me viam, apenas me olhavam, mas não me sentiam: o pesar, a dor, a solidão e a perturbação lancinante de já ter sido alguém. Eu disse... alguém? Nem pensar. Acho que nunca fui alguém que desse prazer para recordar, para lembrar ou sequer lamentar a má sorte de não ter havido cabeça - e neurónios - para retornar ao lar dos pais ou ao invés de tudo isso, o ter havido coragem para recomeçar do zero, para voltar a ser gente, para voltar a acreditar que era possível ter um futuro começando pelo presente. E isso tardava.

Resumos do que vivi...
As pedras da calçada portuguesa são muito engraçadas, nunca repararam? Por entre as suas frestas, as suas magoadas ribeiras de verde e orvalho, une-se um estribo vegetal que grita por viver - ou sobreviver - naquele morro estanque que todos os dias por si é calcado. E as formigas, as baratas (estas, não gosto de todo!) e demais criaturas de todo um universo microbiológico que a nossos pés se debatem por existir que, junto à minha face (agora sem os cremes tão caros e tão insidiosamente publicitados pelas marcas de referência) eu retraio ou retalho, sob o soalho da minha casa que não é casa nenhuma, e me vê tão morta de mim que já nem sei quem sou. Estou a morrer por dentro. Estou a esmiuçar o pouco que de mim ficou. Dos meus longos cabelos de madeixas claras, agora exulto umas trincheiras de reforço e pouco asseio de tranças e espigões que me dá um ar de Punk e de maluca que só eu sei. Tenho uma tatuagem no braço direito (eu, que tanto gozei com aquele «Amor de Mãe» ou «Maio de 68» dos antigos combatentes das ex-colónias que assim se sentiam mais perto dos seus ou das investidas políticas de uma transformação mundial de valores e princípios...) no que agora fiquei transbordante - mas não radiante - de toda uma beleza sui generis criada por mim. Doeu que se fartou e até gritei: se valeu a pena? Não. Não devo ter alma de igual sofredora Blandina (a tal escrava cristã que foi torturada e morta pelos Romanos em Coliseu aberto) ou de uma Mata-Hari, que torturassem ainda antes do seu fuzilamento ou dessa electrificação da alma em extirpação de segredos ou missão impossível de ordem maior. Sou fraca. Mas não sou débil ou parva. Por enquanto...

Tenho uma argola no nariz como as vacas. Se a minha mãe me visse agora apanhava um susto de morte ou fugia a sete pés. Não tenho amigos, apenas conhecidos. Uns mais estúpidos do que outros; uns mais carentes, outros mais caridosos. Mas todos temos histórias para contar quando o queremos. Não há muita solidariedade entre nós: é cada um por si e, não raras vezes, já me roubaram o pão que por vezes umas senhoras da boa caridade aqui entregam em carrinhas cheias de coisas boas e de um aroma que me faz lembrar a casa dos meus avós de quando era pequena. Tenho saudades mas sei que não posso voltar; não agora. Estou suja, sinto-me suja. Por vezes vou até à autarquia (ou à Junta de Freguesia, melhor dizendo) onde, em serviço social aos mais desfavorecidos, me deixam tomar um banho e me dão roupa lavada mas eu sempre lhes escapo quando vêm com grandes perguntas, questionários e ilações sobre o que me levou a ficar na rua. Tenho vergonha de mim.
O pior é o frio. De início, ainda apanhei bom tempo e as noites eram mais leves, mais passageiras em brisas suaves de um cobertor de cartão que tudo remediava. Mas depois, foi pior. Começou o granizo da noite (se é que isso há...) começou a esfriar de tal forma que até as unhas dos pés me pareciam encarquilhar, tal o gelo por mim adentro. Eu, que só dormia por entre edredons de penas de pato e afins que a mãe sempre me oferecia a cada Natal, a cada Inverno, como se eu fosse uma ave rara daquelas que tombam à mínima brisa menos soalheira. E eu, tão sublime, tão letrada, tão menina do papá, p`rá aqui e agora tão tresmalhada... ah, se eles me vissem agora...

«Tenho fome, tanta fome. E frio! Que frio está!!! Quando chega a ajuda...? Porque não vêm???»
As carrinhas das comunidades de boa vontade, amor e paz, ou simplesmente de solidariedade social em amizade de quem nada tem - ou o que lhe queiram chamar - fazem um bom trabalho (ainda que muitos de nós deles fujamos por vezes...) mas, não sabem, nem podem saber, o que é gelar por dentro, por muito que a sopa nos aqueça por fora. E o sentir que nada se tem, quando o pouco que temos nos roubam sem que lhe demos conta, pois já estamos, muitas das vezes, empedernidos naquela suave dormência dos semi-vivos ou quase mortos em coma residual de um corpo que de nós se vai despedindo. Tenho frio, tanto frio... e se o menino Jesus por aqui passasse, eu lhe pediria calor, muito calor, e um amigo que comigo isso privasse. Mas Ele deve estar longe, tão longe que não me ouve... tão longe que nem de mim sabe...

2015 - O Ano de Todas as Coisas... Boas!
Estou quente. Estou saciada. Estou feliz! Muito feliz! O Jonas está a dormir (ou a resfolegar) aos meus pés. Pés esses, que agora exibem uns sapatos e não aqueles ténis horrorosos e esburacados que mal mos cobriam, assim como às feridas que entretanto emergiram sob a égide  de escaras porosas e, mal-cheirosas, ante a evidência de tão pouca higiene pessoal - ou esse respirar livre de meias lavadas e agora não mudadas que, como já o disse, de poucos banhos tomados. Nem posso imaginar voltar à rua... Não o quero, de todo!
E tudo isso, por causa do meu querido Jonas, o meu mais lindo e amigo companheiro de vida na rua que me deu o benefício não da dúvida mas, da certeza de que jamais lá voltaria.

Era Noite de Natal. Eu estava embriagada, pois só assim me conseguia aguentar por horas e horas de breu em escuridão de alma no meu beco, na minha rua, que não era só minha mas de mais quatro ébrios sem-abrigo que, enfim, partilhavam este meu exíguo espaço de pedras e cartão. E por mais que os rotos cobertores nos tentassem cobrir, nada nos aquecia que não fosse aquele malfazejo líquido vertido goelas abaixo numa «party» muito especial (vivida por todos!) em fechada e abissal comunidade dos que sofrem, dos que tendo perdido tudo, ainda mantêm a noção de uma certa realidade: a de se estar vivo (ainda!) E mais não fosse pelo gelar da noite estrelada da tal Santa Noite, e tudo ficaria por aí. Mas não ficou: o meu Natal trouxe-me a esperança que dava pelo nome de Jonas assim que lhe pus as vistas em cima e ele sobre mim galopou fazendo-se pertencer.
Mas antes tenho de referir o quanto sou grata a estes meus outros amigos de rua e o quanto com eles aprendi a viver - e a sobreviver - sem nada ter que não fosse a sua amizade pura e dura. Como eu era uma fêmea, diziam-me, por entre uma galhofada rouca e o gorgolejar de outra emborcada garrafa de bagaço, que me tinham de preservar dos malditos, dos que não tinham respeito por ninguém em possível e futura molestação sobre mim. Daí que me protegessem disso, o que desde sempre lhes agradeci. Não era fácil, nada fácil, uma mulher viver na rua... e todos sabiam disso. Para mais, uma jovem, no que nem tentavam saber e muito menos compreender. A Filosofia das Ruas era: cada um por si mas todos por um, se vissem perigar esse seu companheiro mas dentro dos limites (sempre!) da privacidade e  da individualidade de cada um. Éramos uma família! Estranha, é certo, mas ainda assim... uma família. Até que chegou o Jonas!

Vinha a abanar o rabo. Vinha um pouco esfolado numa das patas e no lombo (talvez uma rixa com outros seus colegas de quatro patas ou pior, alguma outra luta com humanos por posse de um osso perdido...?) em que, escolhendo-me a mim, que estava no canto mais sórdido mas acho que mais limpo daquela triste zona da rua - a minha rua - ele se fez cumprimentar.
Lambuzou-me toda. Fiquei parada, meia parva do que me estava a suceder. Até ali tudo era a preto e branco: agora, iluminava-se me a rua toda em arco-íris de pêlos, focinho e uns olhos de embevecer o mais empedernido cidadão; o que me perfez a exacta consciência de ter sido ouvida, algo que nunca sentira em toda a minha parca existência de ser humano meio idiota que eu era, numa percepção inócua - e mesmo aparvalhada - pelo que nunca me tinha apercebido ou até afeiçoado a qualquer animal de quatro patas. Ou o que fosse. Animais lá em casa, eram sinal de porcaria, barulho, encargos e alguma enxovia (em masmorra e prisão, se se tiver em conta tudo o que um animal acarreta), o que queria à priori dizer (ou redundantemente) um Não! de trazer animais para casa, comprá-los ou adquiri-los por adopção em qualquer canil da zona; isso ainda menos. Era algo que estava muito longe das prioridades dos meus pais e, por conseguinte, do meu impoluto marido que ao mínimo pêlo que lhe soasse na óptica ou no tacto, era logo sinal de alarme e despedimento sobre as suas duas empregadas domésticas. Quem lhe lavaria as cuecas agora...? Sei que na altura me interroguei disso. Eu não era, de certeza! Que fosse à merda. Se aí me deixou, que se esfregasse também um pouco nessa sua mediocridade de homem moderno, de self made man que a todos impunha como a oitava maravilha do mundo. Provavelmente continuou a sê-lo; só que agora bem longe de mim e dos princípios ou regras com que me regia. Se ele me tivesse visto na rua que pensaria então...? Teria pena de mim, lamentar-se-ia por me ter dado tão fatídico destino ou rir-se-ia por me ver tão abandalhada e tão fracassada nos intentos, eu, que até tinha dois mestrados em coisa nenhuma. Mas tirara o doutoramento: o das ruas! E tinha havido nota máxima! E tudo, mas tudo, devido ao Jonas ter aparecido na minha vida de princesa-boémia nos dois anos de rua que este comigo se enveredou.

Cheirava a catinga (coisa horrorosa, não é?) mas cheirava mesmo. O Jonas e eu. Afinal éramos um só. Vai daí levei-o comigo e assim me fiz  insistir para que mo deixassem ir em banho de duche conjunto. Levei um rotundo não. Que estava eu à espera, não é? Mas tornei a tentar e desta feita consegui-o. Fintei os funcionários e eles não o viram comigo passar. Ficámos ambos muito limpinhos, mas tendo de fugir às pressas e a correr dos balneários locais, se acaso atrás de nós viessem com avisos de lá não voltar. Havia regras, diziam.
Quanto às primeiras refeições eram sempre, mas sempre, para o Jonas. Só depois para mim. Com o tempo levei-o ao veterinário - que até era um rapaz muito jeitoso e simpático - e não me levou nada da consulta e da vacina que lhe deu para a desparasitação (pelo menos, foi o que me disse) e assim lá fomos, companheiros de uma vida... de toda a vida, para mim e para ele, Jonas!

Sei que não me posso alongar mais, pois isto não é um diário pessoal nem um livro. E seja lá o que for, é apenas a história da minha vida e... de um dia, aquele mágico dia em que conheci o Jonas. Alterou a minha vida. Alterou o meu modo de me comportar e até de pensar. Segundo passo: tirar aquelas amarras corporais de piercings e coisas que tais que me furaram o corpo e a alma numa personalidade (ou personagem...) que já não eram minhas. Ah, é verdade, chamo-me Maria; afinal neste grande e colossal mundo cristão da península ibérica somos todas marias, não é mesmo...? Ou éramos, pois que estes novos tempos nos trouxeram outros nomes - os anglo-saxónicos e os de leste - que em geral são sempre impronunciáveis, os dos apelidos. Mas enfim, é a nossa aldeia global.
Ah, e outra coisa: estou noiva! O simpático veterinário era sempre tão simpático comigo que antes mesmo de me convidar para jantar (sabendo de antemão onde eu vivia...) me fez chegar por intermediários seus amigos (pois não queria que eu soubesse de quem estava a organizar ou a re-organizar o resto da minha vida), o aluguer de um T-1 (apartamento de uma só assoalhada como todos sabem) após o que tinha de me apresentar noutra sucursal veterinária para assumir um emprego de lavagem de animais (quase por inteiro, cães) e as instalações dos que por lá ficavam em recobro hospitalar. Senti-me a viver uma miragem: o Jonas tinha-me salvo! Seria injusto não o dizer deste meu salvador - o veterinário - mas o Jonas foi a força motriz de tudo. E como eu lhe estava grata!

A partir dali, foi um mar de surpresas. O Jonas ia comigo para o trabalho e lá ficava como que em vigília ou serviço de segurança máximo, perscrutando todos os outros como se ele fosse um mandante-mor de todo aquele espaço clínico para animais. Ao fim do dia vínhamos ambos cansados mas alegres e felizes e, a cheirar a desinfectante, com o sabor da utilidade e da coexistência ampla do quanto ambos éramos factualmente indivisíveis e absolutamente amigos. Uma dádiva dessa tão gélida mas bela Noite de Natal de 2013! Não levem a mal se disser que, o Jonas, foi o meu Messias, o meu Salvador em raça canina de tudo o que de bom pode acontecer aos homens e, neste caso, a mim.
Voltei a ver a minha família e contei-lhes tudo. A mãe ainda tentou ir rebuscar no passado as razões que me levaram à rua, dizendo que nunca o teriam permitido, uma vez que até a Interpol sabia do meu caso, ou seja, do meu desaparecimento ou do meu isolamento, não fosse o caso de ser rapto ou sequestro por parte do meu agora ex-marido que me retivesse consigo: Antes a Rua, disse logo, e isso pareceu amainar os piores receios da minha família. Agora o Jonas tem outra casa e até uma namorada, pois os meus pais lá cederam naquela coisa de se possuir animais em casa, o que fez as delícias do meu irmão mais novo. Estou feliz, muito feliz, e já não tenho fome nem frio mas ainda sinto o cristalizar terrífico das minhas entranhas ao sentir que muitos parceiros meus, colegas e companheiros de rua, ainda lá estão. Faço voluntariado agora e sou muito feliz com isso. Já se reintegrou algumas pessoas - sobre alguns grupos que anteriormente eram considerados delinquentes ou apenas indigentes da sociedade. Não é só sopa que temos de lhes servir mas antes de mais: Esperança no Amanhã! A minha, foi encontrada através do meu querido amigo Jonas mas, a de outros será, talvez, a da força e a do amparo, a do carinho ou do amor desta e outras Noites de Paz:

Que a Noite de Natal vos seja tão farta e feliz como agora e sempre a minha me é para mim, para o Jonas e para os meus; assim o desejo para todos vós. Um Santo e Feliz Natal para todos e que tenham gostado sinceramente desta breve e simples história de Natal. Sejam Felizes e façam alguém feliz. Comecem hoje e verão que, para todo o sempre, a vida lhes retribuirá tudo isso...

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