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domingo, 10 de abril de 2016

A Verdade da Mentira!


Eu, Noiva-Cadáver, assim me sinto; hoje e sempre, do teu lado...

Quando nada há a dizer, quando nada há a sobrevalorizar, a sobrepor ou a fazer sobreviver, que mais restará do que a solidão dos passos, a sub-prestação das almas e a decadência das reentrâncias de uma vida que mais não é, do que a inconsistência da efémera morte em passagem de um lado para o outro...

Ontem, o futuro por fazer...
Ouvimos verdades que não sabemos se o são. Acreditamos em outras que nunca chegamos a saber se algum dia o serão; por outras que, investidas de tantas mentiras, de tantas vestimentas, roupagens ou indumentárias falsas, ornamentamos de lantejoulas, brilho e fantasias quejandas - múltiplas e insanas - que jamais se fazem cumprir na vida.
Ouvimos dizer, através da boca santa dos bisavós, avós, primos e primas, aprumados aparentados e outros que o não são, de que, temos de ser respeitadores, estudiosos, cumpridores, veladores de todas as coisas, nunca desobedecendo a pais, irmãos e demais família em redor, reajustando uma vida de composição académica (de muitos e muitos anos!) em solidificada instrução que nos dá um canudo e nos dá a sublimação de todas as almas para o apogeu - ou estrelato - da máxima licenciatura; do mestrado e do doutoramento, se tivermos a paciência e os neurónios para tal lá chegarmos...

Passamos a vida a enfunar vontades a e a regurgitar sonhos e pensamentos que mais não são do que meras aprendizagens e quiçá, funestas dosagens desequilibradas do que é ou se deve ser em bom tom, em boa harmonia ou em boa sociedade fidelizada para todo o sempre. E tentamos cumprir.
Amamos ou odiamos as nossas professoras e professores do Ensino Básico e, se não for pedir muito, até passamos pelas frestas do incumprimento e do despojamento de crianças que somos, pela inocência que perdemos, se algum destes nos viola essa decência, essa ingenuidade de almas sãs, em desditosa e pura violação de quereres e dizeres, metendo-nos a aguerrida mão por entre as saias ou por entre a braguilha, e nos amacia e acaricia - voluptuosa e conscupiscentemente em perturbantes danças do diabo - todas as maléficas danças do mundo, sentindo dessa execrável forma, que são todos nossos donos, nossos proprietários de almas, destroçando a infância, depurando todos os bens e todas as santidades que ainda purificávamos em nós. Sobrevivendo a isso, sobrevivemos a nós...

Na adolescência somos todos parvos; incongruente e estupidamente parvos! E lidamos bem com isso; ou não. Mas continuamos a crescer e a acreditar que somos perfeitos ou imperfeitos, consoante os ditames desta nossa própria sociedade de usos e abusos, costumes e deleites sexuais, amorais e viscerais de todas as vidas, de todos os consumos. Somos carne para canhão e deixamo-nos ir...
Somos números; códigos de barra terrenos. Somos isso tudo e convencemos-nos que somos importantes. E como tal, deslumbramo-nos. E pagamos por isso: mais tarde ou mais cedo!

A vida não é fácil. Ninguém disse que o é. Mas mentem-nos. Mentem-nos muito! Demais! Todas as verdades são mentira e todas as mentiras acabam por ser uma grande verdade - nua e crua - de muitas vidas que mais não são do que muitas mortes em vida; e muitos, nem disso sabem... ou disso se apercebem...
Estou cansada. Tão cansada! Casada e mal amada, parida e não assistida pelo que já fiz, consumi e pari na vida também. Não me compreendes, tu, que és meu parceiro, meu marido e meu congénere de cama e conluio, mesmo que o vejas, que o observes, sendo que não te comprazerás de me dar descanso, de me dar sossego, quando deste eu preciso. Estou farta, mas não consigo fugir; não posso e não devo!

Tantas mentiras, tantas! Que temos de tirar um curso, uma Licenciatura, para assim sermos alguém na vida, para termos brio e os outros se orgulharem de nós, para termos uma feliz e bela carreira de ascensão e, quase iluminação, em reproduções malditas que nos levam tanto ao céu como ao inferno terrenos. E eu acreditei, ah, como acreditei que tal era possível... Que estúpida fui!
E tu, comigo. Até porque não tinhas escolha, tendo uma escolaridade básica, precoce demais, rude ou rudimentar demais para me acompanhares, nos amigos comuns, nas palestras comuns, nas tertúlias e eventos tão incomuns quanto o sentires-te de parte, tão de parte que já não fazias parte de mim...
E temos um filho em comum. De muitas alegrias e também tristezas; tantas! De ver que ele não nos junta, que não tem para isso capacidade ou tolerância de nos aguentar, de nos suportar, de nos ver de novo aliar e enlaçar numa outra entrelaçada vida. E ele, é talvez o único elo, o único cordão umbilical externo a ambos que nos liga ao mundo; ao nosso mundo. Pedi-te ajuda e não me ouviste. Foi pena. Lamento por ti e por mim, pois que o nosso mundo agora afastado de ambos, já não basta e já nem resta... nem para ti nem para mim...

Dói-me  a cabeça; muito! Eu sei, é sinal de que tenho cabeça, como sempre dizes em ironia falaciosa e jocosa de todas as palavras, de todas as coisas não ditas que eu oiço, que eu ainda ouço de ti, meu amor. Ou meu desamor; o pior de todos que ouvi e senti em ti.
Trabalho 48 horas seguidas; ou 24 sobre 24 horas, quase de Sol a Sol, sem o saber... nem sei. É o novo trabalho de escravidão: o ser-se disponível e, admissível, a todas as horas, do dia ou da noite, de muitos dias, muitas noites em claro. A Consultora não me larga e os directores também não, e já nem sei se é pelas minhas longas pernas sempre depiladas de Barbie transbordante que lhes sou, se é pelo meu cérebro sempre atento e sempre lesto de cada vez que me tentam passar a perna, a outra - de índole mais profissional e mais emblemática - de, invasivamente, aqui meterem um energúmeno, um ser macho, a fazer a metade do que eu faço  mas a sorrir em dobro do que eu sorrio, pois já não me apetece ludibriar mais nada nem ninguém sem ser a mim própria. Estou farta, mas não posso desistir.
Sou mãe, esposa e mulher, e sinto-me um enxovalho, um desperdício sujo de oficina mecânica que se deita para um canto e se esquece - e jamais se engrandece na utilidade que já foi insubstituível. Sou um lixo, sinto-me um lixo e tu sabes disso, meu Noivo Cadáver que, tal como eu, andas nesta vida - sorumbático e amorfo - sem me dares cores ou ânimo de tal poder reverter como reciclada compustagem de óleos ou orgânica qualquer coisa, num revigorado torpor que fizéssemos de nós, só por um dia, só por um carinho teu em docência do que ainda tens guardado para mim, para me dares de ti...

Sim, somos ambos Noivos Cadáveres! Somos ambos o escrutínio moroso, pouco fiável ou credível de toda uma vida idiota e sem preâmbulos de ressuscitar algo que seja em nós. Que triste é!
Meu amor, meu Noivo Cadáver, meu mais que tudo na vida que mais poderias ser do que o trampolim para uma nova vida, para um novo sentido do ser e do ter, pois que nesta vida ambos andam de braço dado em financeira amostragem do que pode ou não ser um casa ou um lar bem sucedidos, nesta vil sociedade de hábitos e costumes tão doentios quanto lastimáveis. E isto, se tivermos em conta que snifar coca é bom, que cair para o lado devido a uma grande bebedeira é «cool», e que estar «in», é tudo o que desejamos, mesmo que isso nos esventre a alma, nos apodreça as esperanças uterinas de uma qualquer mudança efectiva ou, sequer, a filtragem de podermos ser (ainda) um casal a salvar, pelos ditames desta nova era em que tudo se pontifica e nada se estima, ficando-nos os nauseabundos ensinamentos de outrora, pelos putrefactos agora conhecimentos desta modernice selvagem em que o dinheiro paga tudo menos a honra. E essa, há muito que a não tens... há muito que ambos a perdemos...

Estou doente; sinto-me doente. E quase me deixo morrer não por entre os teus braços, mas por entre os devaneios dos gemidos e dos gritos calados que por entre os meus tu me lançavas, tu me atiçavas, em ritos sexuais que eram só nossos, indomáveis e eternos, como eternos eu julgava serem os nossos sonhos, os nossos delírios vividos a dois... Que parva eu era! Ou que parva eu fui!
Deixo-te a minha geração, a minha descendência de roteiros inacessíveis e destinos improváveis que tanto eu queria ter percorrido contigo e tu, meu amor, nunca me deixaste contigo eu ir. Foi pena. Foi parvo e foi cruel da tua parte que, rasteirando e devassando a minha, na parte que me competia, cortaste, dilaceraste e aprisionaste, como se eu não tivesse vida própria, como se eu te fosse pertença, te fosse algema, te fosse coisa nenhuma. Mas sou; só não sei o quê...

Adeus. Vai à merda! Não quero ouvir falar de ti nos meus próximos séculos de vida, na minha próxima progénie vital de corpo e alma, tanto de uma como de outra, só para te ver afastado de mim e de tudo o que em ti eu prometi e esperei que de ti viesse. Não veio... e já não espero por isso! Já não espero por nada que venha de ti! Vai bardamerda!
Ah, como te odeio ou talvez me odeie mais a mim, já nem sei. Fomos um só e eu até nisso acreditei, trabalhando que nem moira lasciva, que nem moira encantada e perdidamente apaixonada por ti, até me ter visto de pele e osso, até me ter visto saqueada de tudo e de nada sobre ti, sobre teu corpo fétido, pérfido e exaurido de ti - em espectro jogado e não obsequiado - de outros ou outras, ou de mim sobre ti. Perdeste a jogada; perdeste o naipe, e toda a enseada de rubro verde e soltos dados que te poderiam ditar uma outra vida que talvez nem merecias, perto de mim. Foste um bluff; e eu assisti...

Agora, tenho a minha verdade. Existo eu! E isso basta-me! Tu, não existes, não pertences ao núcleo sideral que na Terra ou fora dela eu faça a minha identidade - e muito menos personalidade - em pujança e talvez alguma arrogância, reconheço. Mas tu, não entras. Não, neste meu ciclo renovado de vida.
Dei-te tudo; o meu passado, o meu presente e parte do meu futuro - agora chega! Vai-te embora. Deixa-me em paz! Prefiro sair da minha sepultura, da minha profunda cova onde tu tanto me enterraste, sozinha. Prefiro assim. Estou melhor assim! Ruma borda fora e desaparece da minha vida!
Olho-me ao espelho e gosto do que vejo. Sorrio; finalmente sorrio. Já não sou a Noiva Cadáver mas, a noiva de promessas muitas e esperanças mil que um dia hei-de fazer reabilitar em mim; sem ti. E como isso é bom, tão bom...!

Não perco mais os olhos, a visão, o glóbulo ocular que sempre me caía em desfaçatez, desprestígio e subserviência - a ti - de cada vez que te sublevavas e me amedrontavas, atormentavas ou depreciavas como esfregão teu, esfregona ou bailarina de salões já gastos, os teus salões, por onde só tu andavas e eu ficava só e amordaçada ao meu presídio que me dizia ser perpétuo, eterno, num para sempre que, agoniando-me, ia-me matando mais um pouco. Mas não matou. Sobrevivi e estou aqui para o dizer, para o comprovar na tua cara, na tua iniquidade de homem que ainda pensa comandar, exigir e maltratar, sem saber ou sentir que tudo para trás ficou - e eu, bem mais longe estou... De ti!

Adeus, Meu Amor, vai para longe de mim que eu já te não vejo, que eu já te não sinto em mim, como se um bocado de mim (e não de ti, tal Adão domesticado) se me tivesse restabelecido, reedificado ou regenerado sem ser preciso a tua mão, a tua doce, lânguida e cândida mão para me protegeres; até de ti. Agora, o meu caminho sou eu que o faço!
Um dia, sei que tive um sonho lindo... e até o vivi, mas depois acordei, encetando e realizando o tão vasto pesadelo em que me encontrava, tentando em vão coarctá-lo de mim. Não consegui. Mas continuei a lutar por isso e aí sim, triunfei. Reergui-me e voltei à vida, pois já não sou mais essa tua Noiva Cadáver! Nunca mais!

 Adeus para sempre meu amor, por toda esta nossa conjunta ou conjugal vida dúbia, néscia ou inerte, por tudo o que já não há por onde reviver, reincidir - ou reivindicar - sobre os estertores de uma morte reimplantada que tu e eu fizemos de nós: no que eu, anuindo a tudo, a tudo aquiesci. Estupidamente! Até agora. Até ao limite das minhas forças.
Volta então para os braços da nubente solidão, da confrangente anulação que fizeste - de ti e de mim - solicito-te ainda: Acaba de uma vez por todas, com a vã esperança de névoa e configuração matinal de um dia voltarmos a ser os mesmos que outrora houvemos em nós, na verdade daquela tão grande e ostensiva mentira que poderíamos ainda ser felizes. Sê-lo por mim e por ti... Feliz! Sê-lo por ambos, e só assim te libertarás do jugo tumular do meu corpo e da minha alma, sendo tu, outro noivo que não cadáver e eu, a noiva que não cadáver mas bela e linda, maravilhosa, de um outro noivo (que não cadáver ou sepulcral também) de uma minha igual vida a dois... Adeus, Meu Amor!

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