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sexta-feira, 10 de junho de 2016

O Dia de Portugal!


Torre de Belém - Lisboa                                                                                            Portugal

«As armas e os barões assinalados
  Que, da Ocidental praia Lusitana,
  Por mares nunca dantes navegados
  Passaram ainda além da Taprobana,
  Em perigos e guerras esforçados
  Mais do que prometia a força humana,
  E entre gente remota edificaram
  Novo Reino, que tanto sublimaram; (...)»

                          - Canto Primeiro de: «Os Lusíadas», de Luís Vaz de Camões -                                  

Somos um povo estranho. Danado para a brincadeira, metediço e folgado, não tanto como outros mas ainda assim comedidos e pouco dados a leviandades. Somos o povo mais triste da Europa e muitos se perguntam de qual a razão desse esmorecer lusitano, desse fado amordaçado de quereres e não quereres que se ficam por cumprir. Somos pobres mas lavadinhos. Somos Portugueses!

Raios partam esta gente que não sabe o que quer, lá dirão na unida ou desunida Europa dos engomados, dos aprumados e dos que nunca cheiraram mal dos sovacos. Da ponta mais ocidental europeia ao mais íngreme calabouço geográfico, a raça dos portugueses é maldita (no bom sentido!) naquele haver e desdizer de tudo e de nada, só porque sim; só porque sabe bem falar de tudo e não saber de nada ou fingir sobre isso mesmo - somos mesmo muito bons na arte da camuflagem artística da pseudo-intelectualidade! Temos Camões (sempre Camões!), temos o Pessoa (o poeta e o cozinheiro, perdão, não quis ofender, o chefe de cozinha candidato a uma estrela Michelin, com o seu restaurante «Alma»!), temos o Saramago, o Lobo Antunes e até o José Rodrigues dos Santos (que ainda está à espera de justiça feita, pois que não é menos, não senhor, do que aquele anglo-saxónico do Código da Vinci) temos afinal tudo para nos governarmos ou desgovernarmos, segundo rezam as crónicas de há 2000 anos por voz de César (aquele, da Roma Antiga) que tal o disse sem romanceados ou estorvo na língua, que somos um povo que não se governa nem se deixa governar... Somos assim uma espécie de tudo e nada bacteriológicos - de lastro e lustro - sem nenhuma de ambas as coisas em refogado queimado e, miscigenado, de povos e lendas, atributos e considerações, almas e corações, e tudo isso numa miscelânea de fado e vinho embutidos numa endémica tristeza que já perdeu o caminho de volta.

Ó bem-aventurados marinheiros, ó imortais poetas da minha terra que tantas palavras e teias enredadas se amnistiaram de outros ensejos, de outros enleios ou de outros trilhos e de outros destinos que não fossem o darmo-nos todos de alma e coração, até para com o inimigo. Metemos a cabeça no cepo, literalmente, e safámo-nos com isso; mostrámos bravura em vez de débil traquejo, mesmo quando as pernas nos bamboleavam, enfraquecidas pelo temor e pelo medo sentidos.
Demos espingardas aos samurais, vinho aos islamitas e sedução lusitana - bravia e máscula - por todo o chão, por todo o céu ou solos por onde passámos e deixámos raízes, onde deixámos filhos e cadilhos; deixámos tudo. E tudo por lá nos ficou...
Somos um raio de um povo que grita por tudo e por nada mas se esbate ante a misericórdia de outros ou a fúria de uns quantos, que nos mitigam o ser à escala reduzida de símios, vulgo macacos sem evolução, segundo Darwin - ou de energúmenos - só pela razão sem razão de sermos brandos, encolhidos, submissos, omissos e até inferiores nas escolhas que fazemos como se não tivéssemos o direito do mesmo espaço partilhar.

«Demos mundos ao Mundo» e só por isso ficámos conhecidos mas não enternecidos com a temporalidade que já não se sente, que já não se efectua sobre o nosso território de feitos e galhardetes que eram grandes, gigantes, maiores do que quando o Homem foi à Lua.
Descobrimos o Brasil, a Índia, Timor e por aí fora e, hoje, até parece que nos envergonhamos de termos sido o primeiro povo que descobriu o medieval Google, na tão aclamada aldeia global - mundial e universal - de todos os direitos e deveres do Homem, na conquista de novas terras, novos conhecimentos. Deixámos mulheres para trás, arqueadas, corcovadas e enrugadas e cheias de filhos, observando um horizonte que  se esboroava nas suas almas de não mais seus homens verem voltar. Ainda se ouvem os choros, os lamentos, e as tantas agonias congeladas no peito de não sentirem mais os seus, os que partiram, os que para trás não olharam nem vivificaram a desgraceira daquela vida carpideira que entretanto não mais abarcaram. Nem as suas mulheres, nem os seus filhos, nem a sua terra, nem o seu Rei, nem nada que já tivesse sido seu, como uma má colheita ou fastio de campo mal semeado, ficámos sem homens; nenhuns. Ou quase nenhuns: Os que ficaram, os muito velhos ou os muito jovens, que em nada edificaram o que seu reino lhes pedia e, remetia, de doença, de fome, no fundo de total miséria e pouco lazer, ainda que certas naus chegassem - de aquém e além-mar - carregadas de belas coisas em aromas e cores, volúpias e sensações na descoberta têxtil de sedas e sentidos que vinham do Oriente para Ocidente. Mas que alegrias não traziam, não às mulheres do povo que o seu homem já não reconheciam (aquando calhava este voltar) e este lhes dizia que para lá voltaria, mas sem ela, sem os filhos, e sem aquele abraço de ambos, aquele arrulhar de corpos e almas de muitos amassos por entre coxas e refegos, gemidos e sustenidos, por entre as eiras e beiras, catres e camas de folhas de milho que nem a coceira e a piolhagem (não dando tréguas) parava; no que o mar, aquele tão grande e extenso mar lhes tirou, e jamais para elas voltou.

Somos um povo ibérico, de Fado, Futebol e Fátima, sim senhor. O fado já foi mais tristonho, agora canta-se em duo ou trio e à desgarrada, e à molhada, e à descarada, com vozes de muitas vozes e mesmo até de outros mundos, pois que isto de ser eclético tem que se lhe diga.
Ah, e o Futebol, pela Santa (qualquer uma) que desta vez tem de ser nosso, o caneco (algo que sempre geneticamente dizemos como se fosse uma anunciação, uma visão espiritual ou uma consideração irrefutável a cada evento europeu de bola nos pés). Não falha! E, falhando, cá estamos nós a apelar ao sacrossanto Eusébio de outros tempos, tempos idos, como os dos navegantes em saudosismo barato mas sempre sofrido de sermos sempre, mas sempre «roubados», pelos inadmissíveis e não impolutos árbitros que nos refreiam os ímpetos de uma ou duas grandes penalidades por marcar ou simplesmente a avença de sermos para aí uns 50 centímetros (na melhor das hipóteses) mais baixos do que os nórdicos. Vai-te a eles, Cristiano, e ganha isso, vá lá... pois que a nós só nos resta propagar a banana da Madeira como o elixir da juventude ou daquela magna força que te fez tão valente, rapaz...! Vai-te a eles e sê o melhor! E que o melhor o seja em equipa também!

Temos ondas de arrasar, ali, para os lados da Nazaré, de Peniche e de onde mais Deus quiser que, de furgoneta acelerada dos anos sessenta (na tal revivalista pão-de forma, tão na moda agora) e a tábua de engomar (a prancha de surf) lá vamos nós; uns no mar outros em terra que uns enjoam e outros se ensaboam com a espuma das marés, daquelas mesmas marés que tantos marujos já levaram consigo.
Fica então Fátima, e ai Jesus quem o contradiga, digo-vos eu, que sei do que falo ou penso que sei (sou portuguesa, lembram-se?) e dos nossos três santos pastorinhos que há quem diga que ainda mantêm o terceiro segredo de Fátima bem guardado ou daquela outra, menos santa mas mais prática e resoluta, de seu nome Brites de Almeida, que se aventou a aviar uns quantos à espadeirada, em tipo ponta de lança na área do forno e da farinha (pois era padeira, a nossa famosa Padeira de Aljubarrota) mandando para a sarjeta uns quantos castelhanos e outros que por ali se aventuraram em terras de seu conluio, abastança e reino, pois que não sendo mulher de grandes beldades, também não o seria de fealdade maior que estes pudesse matar com seu buço repicado e voz de entroncado lobo do mar nos seus piores dias; quem o saberá, pois que não há testemunho vivo que o possa dizer.  Com isto quero dizer que, desde tempos idos que somos uma praga; em todo o lado! Mas uma praga boa, acho eu. De emigrantes e imigrados; por assim dizer, revezamo-nos. Globalizámo-nos e... entrosámo-nos. E agora andamos por aí... por todo o lado...

E temos turistas (muitos!) hotéis, hostels ou residenciais já nem tanto (não chegam para as encomendas, valha-nos o santo turismo!) e outras quejandas coisas que, a não haver mais espaço nos espaços que nos faltam para acolher bem os forasteiros, teremos em breve de os receber em nossas casas; pois que venham se vierem por bem, e almocem e jantem connosco umas belas chispalhadas, cozidos à portuguesa, entremeadas e muitas outras coisas que fariam corar de vergonha e humilhação os vegetarianos (que também por cá os há, mas estão em minoria), e bebam do nosso vinho, calcem os nossos sapatos, vistam a roupa dos nossos estilistas, comprem as nossas carteiras de cortiça (o nosso emblema nacional natural que nos sai das árvores e desta forma nos faz ser amigos do ambiente) e vejam lá, se puderem, alvitrar nas vossas terras como é tão bom por cá, depois de uma bela sardinhada regada com uma ainda melhor sangria (tinta ou branca) e refastelarem-se com os nossos pastéis de nata feitos ao momento, ali para os lados de Belém, ou então um arroz doce como o faziam as nossas avós - ou aletria - ou ovos moles de Aveiro, ou a conventual doçaria de Alcobaça, ou dos Dons Rodrigos do Algarve - e é melhor parar por aqui, pois só de o dizer já engordei umas quantas gramas... ou quilos, nem sei...

Ser Português é ter o Fado na Alma; é ter Saudade (só nós sabemos o que isso é, em palavra única no mundo, e que bom que isso é, ainda que se sofra mais do que peru em véspera de Natal...)
Somos a nossa língua: a de Camões. E que bem-aventurado este o foi, nas andanças e desandanças da sua vida em amores e afagos perdidos e outros recolhidos em si. Trouxe consigo o Douro no olhar, o Mondego no coração, o Tejo na alma e, talvez, o Guadiana na afeição de partidas e outras chegadas desses amores que não viveu ou então escondeu... de todos nós. Tal como ele, nós, portugueses, somos assim, deleitosos, absorventes, carinhosos e entregues, mas igualmente carentes, mesmo que não tenhamos o rio Mecão (Mekong) na leva e na perca de todas as nossas lembranças, de todos os nossos segredos. E Goa ali tão perto...
E Samatra, Java, Ternate, Tidore, Bornéu - as ilhas da Malásia, até às ilhas de Banda, Sonda e Timor. Mas, e Lisboa...? A sua outra amada, em cidade de enorme luz. Aí entra em 1570, no fim de uma jornada marítima de saudosa espera, de saudosa feitoria. Dois anos depois emergia a publicação «d`Os Lusíadas» (1572). Uma tença de 15000 réis anuais é-lhe então concedida por El-Rei Dom Sebastião (O Desejado) e, com essa quantia, esse aforro, Luís Vaz de Camões vai-se mantendo até à morte no que a vida lhe dá (mas nunca livre de dificuldades, no que o susteve e reconheceu sempre como livre de espírito mas parco em recursos), até que a morte por fim chega, na leve passagem para uma outra margem de uma outra dimensão, em 10 de Junho de 1580.

«Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
  A vista vossa tema o monte Atlante,
  Ou rompendo nos campos de Ampelusa
  Os muros de Marrocos e Trudante.
  A minha já estimada e leda Musa
  Fico que em todo o mundo de vós cante,
  De sorte que Alexandro em vós se veja,
  Sem à dita de Aquiles ter inveja.»
                                                          (156, Canto X - «Os Lusíadas»)

E se Inveja todos temos, no seu último rigor de pena e palavra escrita, Camões nos sugere que nós, Portugueses, tenhamos mais brio e mais sentido do que esta mesma Inveja de ser mais do que o que já fomos, ser menos do que o que consideramos, ser tanto como o poderemos ser, um dia, sem empréstimos, sem rendas ou franquias de sempre, pelo muito que ainda podemos reverter e, ascender. E talvez coalescer, na fé e na esperança de tudo se soerguer, como país à beira-mar plantado (que o mar não leve e o litoral nos encolha) e nos faça ser gente de garra, gente que luta, gente que trabalha, gente que se orgulhe, enfim, gente que é gente de ter um dia só para si.

O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas - 10 de Junho - agora, em 2016, será hoje e sempre a realidade que o seu povo quiser que seja e, o que o voto na urna dita; mesmo que esse voto nem sempre lhes seja condigno ou sobre si se faça representar. Mas há que ter fé, por alguma razão Fátima está sempre presente, mesmo para os mais descrentes ou mais cépticos (eurocépticos e outros...).

Pois Portugal, que sejas sempre Portugal e te faças triunfar, mesmo que para tal te seja tão difícil manteres-te à tona, sem sanções, sem reprimendas ou descidas de rating das grandes agências de classificação de risco, por tanto termos suado e tanto isso nos ter sido desvalorizado, mesmo que tenhamos cometido erros. Que sejas sempre Portugal, mesmo com os teus defeitos, manias, idiossincrasias ou meras idiotices de teus cidadãos (e cidadãs, como agora se diz em junção de género) e te faças Vingar (sempre, mas sempre, no bom sentido da palavra e acção!) E Viva Portugal!

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